O harakiri econômico do capitalismo

Por Alejandro Marcó del Pont, via Rebelion

A China joga Go, o Ocidente joga pôquer (El Tábano Economista)

Mais de meio século após a primeira visita de Henry Kissinger à China, o capitalismo globalizado — especialmente em sua forma ocidental — enfrenta um paradoxo irônico. Suas próprias receitas para o sucesso — globalização, minimização de custos e maximização de lucros — estão acelerando seu declínio.

O que começou como um processo de globalização baseado na redução de custos e na maximização de lucros acabou deixando os Estados Unidos e a Europa dependentes das cadeias de suprimentos que eles próprios desmantelaram. A expansão de um modelo desregulamentado, financeirizado e deslocalizado semeou as sementes de uma fragilidade estrutural que agora está causando o colapso de todo o sistema. A dependência estratégica da China de terras raras e produtos manufaturados criou vulnerabilidades estruturais difíceis de reverter.

Nas últimas décadas, as corporações ocidentais — especialmente as americanas — adotaram a terceirização como um dogma. Eles transferiram a produção para a Ásia (principalmente China) para reduzir custos e aumentar as margens de lucro, mas em troca esvaziaram sua base industrial doméstica. A pandemia os expôs, quando o porto de Wuhan fechou em 2020, as cadeias de suprimentos globais entraram em colapso. O Ocidente descobriu que não poderia produzir tudo, de máscaras a semicondutores.

Eventos como o bloqueio do Canal de Suez (2021), a guerra na Ucrânia (2022) e as tensões no Estreito de Taiwan (2023-) demonstraram que, em um mundo volátil, a hiperotimização é sinônimo de risco sistêmico. Enquanto isso, a China — com seu modelo híbrido de capitalismo de estado — manteve as fábricas operando e acumulou superávits.

Movidas pela lógica de custos baixos, as empresas americanas realocaram empregos, conhecimento técnico e capacidade de inovação. A terceirização não apenas eliminou milhões de empregos na indústria nos EUA (estima-se que 4 milhões), mas também erodiu o conhecimento técnico associado à produção. A perda de mão de obra qualificada e capacidade de inovação atrasou o desenvolvimento futuro de produtos e melhorias de processos. Eles literalmente pararam de saber como fazer as coisas.

A China, por sua vez, se posicionou como um centro global de manufatura, oferecendo não apenas mão de obra barata, mas também infraestrutura em rápido desenvolvimento. Para muitas multinacionais, foi criado um crescente mercado interno de consumo que era crucial. Em pouco tempo, a China deixou de ser "a fábrica do mundo" para se tornar um mercado consumidor, tornando as empresas ocidentais estrategicamente dependentes desse mercado, o que muitas vezes as levou a se alinhar às políticas do governo chinês para manter o acesso.

A armadilha da terceirização fez com que a suposta eficiência se transformasse em fragilidade. O capitalismo financeirizado priorizou o valor das empresas expresso em termos de crescimento do preço das ações, dividendos e capitalização de mercado, não sua capacidade produtiva.

Paralelamente, o sistema de gestão de estoque zero  just-in-time (JIT)  , nascido no Japão na década de 1970, tornou-se um dogma em Wall Street: menos estoque = mais lucros. Entretanto, sua extensão às cadeias de suprimentos globalizadas multiplicou os riscos. Sistemas de estoque zero são vulneráveis ​​a interrupções — de crises geopolíticas a eventos climáticos — e a falta de reservas transforma qualquer interrupção em um efeito dominó. O modelo é suicídio logístico.

Eficiência extrema se transformou em fragilidade estrutural. Ganhos de curto prazo mascararam a perda de resiliência produtiva. A globalização,  o just-in-time  e a perda das cadeias de suprimentos levaram ao colapso do Ocidente em que nos encontramos hoje. A pandemia da COVID-19, em particular, revelou fraquezas significativas nas cadeias de suprimentos internacionais. Isso criou escassez crítica em setores estratégicos e ressaltou os perigos potenciais da dependência excessiva de centros de produção distantes, como a China.

Essa discrepância entre lucros de curto prazo e perdas estratégicas de longo prazo produziu um resultado familiar: a China agora controla mais de 70% da produção de terras raras, processa 90% e também tem 92% da capacidade global de produção de ímãs permanentes de terras raras, que são essenciais para tecnologias-chave, como baterias, mísseis, aeronaves e turbinas eólicas.

Substituir essa dependência não é fácil. São necessários de quinze a vinte anos de investimento sustentado, conhecimento técnico e infraestrutura. Mas, acima de tudo, requer um planejamento estratégico que o Ocidente não sabe mais fazer — nem quer fazer. Competir com os baixos custos de produção e a infraestrutura robusta da cadeia de suprimentos da China continua sendo um grande obstáculo. A mineração e o processamento de terras raras em outros países podem ser consideravelmente mais caros devido a fatores como custos trabalhistas mais altos e regulamentações ambientais mais rigorosas.

As décadas de desindustrialização não foram apenas uma "decisão econômica", foram uma escolha política disfarçada de eficiência, entregando as chaves do futuro em troca de benefícios imediatos. O capitalismo ocidental não desaparecerá, mas sua versão hiperglobalizada e financeirizada pode estar perdendo força. Enquanto a Eurásia adota modelos de planejamento estratégico, os EUA e a Europa enfrentam a desindustrialização, a inflação e as fraturas sociais.

Keynes se perguntou o que substituiria o capitalismo. Hoje, a resposta pode estar no Oriente: um sistema que subordina a eficiência à segurança estratégica e a lucratividade ao interesse nacional. A história alerta que os impérios empresariais caem quando confundem lucratividade com resiliência. E o Ocidente vem cometendo esse erro há décadas.Jogar pôquer em uma partida de Go é um erro tático. Mas continuar apostando todas as suas fichas, mesmo quando você sabe que a mão está perdida, é o verdadeiro harakiri.