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O PCB e o cinema brasileiro (1)

  • Foto do escritor: Edmilson  Costa
    Edmilson Costa
  • 18 de mai.
  • 72 min de leitura

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(Para Rui Santos, Alinor Azevedo, Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman e todos os camaradas que contribuíram para a construção do cinema brasileiro)

Edmilson Costa*

Introdução

Os primeiros anos do cinema brasileiro foram marcados por intenso encantamento com a nova tecnologia, bem como pela adaptação cultural de um País em processo de urbanização e modernização. O cinema chegou ao Brasil em 1896, pouco depois de sua descoberta pelos irmãos Lumière, em dezembro de 1895, quando pela primeira vez filmaram a saída de operários de uma fábrica na França. A primeira sessão de cinema no Brasil foi realizada na rua do Ouvidor, 57, numa sala alugada pelos irmãos Afonso e Paschoal Segreto, onde foram exibidos oito documentários de um minuto cada um. Os mesmos irmãos também fizeram o primeiro filme no Brasil, em 19 de junho de 1898, com cenas da Baia de Guanabara.[1] Essas cenas foram perdidas, mas até hoje se considera o 19 de junho como dia nacional do cinema. Nesse período, o Rio de Janeiro era o centro cultural do País. Portanto, a maioria das iniciativas relativas ao cinema foi feita nessa época na antiga capital federal. 

Até então, os filmes exibidos no Brasil eram de origem europeia, mas ao final da primeira guerra, esse cenário foi sendo modificado e, a partir de então, o cinema dos Estados Unidos passou a hegemonizar as exibições no Brasil. Com a emergência da energia elétrica várias salas de cinema foram abertas na região central do Rio de Janeiro, destacando entre elas o Cine Capitólio, inaugurado em 1925, conhecido como o Palácio do Cinema. Foram tantas as salas inauguradas nessa região, que ficou conhecida como Cinelândia, nome que se mantém até hoje. O aparelho projeto era denominado na época de animatógrafo Lumière.[2] Do ponto de vista da produção cinematográfica, o cinema brasileiro desse período refletia as dificuldades econômicas e a falta de uma estrutura sólida. A produção era esparsa e irregular. Muitas vezes os filmes eram feitos de forma artesanal, com equipamentos improvisados e falta de recursos, muito embora o entusiasmo com a nova arte era bastante evidente.

Foi nessa conjuntura que começaram a surgir os primeiros empreendimentos de caráter profissional, visando construir uma indústria cinematográfica nacional. Várias empresas foram formadas ao longo das décadas iniciais do cinema brasileiro, mas vamos nos concentrar apenas nos principais empreendimentos que tiveram uma vida empresarial mais perene, como a Cinédia, a Atlântida, a Vera Cruz e a estatal Embrafilme. Essas empresas marcaram a história do cinema brasileiro.

Cinédia

O primeiro desses empreendimentos foi a Cinédia, pioneira entre as empresas cinematográficas do Brasil. Fundada em 1930 por Adhemar Gonzaga, a Cinédia foi a primeira produtora a buscar a construção de uma estrutura sólida, com estúdios próprios, e com objetivo de criar um cinema nacional de qualidade técnica e artística capaz de competir com as produções internacionais que dominavam a distribuição de filmes no País. Gonzaga acreditava que o Brasil tinha o potencial para desenvolver uma indústria cinematográfica semelhante aos grandes estúdios estrangeiros. Além disso, ele via no cinema uma ferramenta tanto de entretenimento quanto de identidade cultural dos valores nacionais.

Com essa perspectiva, a Cinédia lançou filmes que se tornaram marcos do cinema brasileiro, como Ganga Bruta, em 1933, dirigido por Humberto Mauro, considerado um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos, sendo que esse filme é frequentemente visto como uma obra prima do cinema nacional, com uma linguagem visual inovadora, podendo mesmo ser considerado uma obra de vanguarda. Outro dos destaques da Cinédia foi Alô, Alô, Carnaval, de 1936, dirigida por Adhemar Gonzaga, com Carmem Miranda no início da carreira e que trouxe uma nova forma de retratar a cultura popular urbana. O filme apresentava o samba como cultura popular e a grandiosidade do carnaval carioca. Essa obra foi fundamental para consolidar esse gênero musical e abriu espaço para a valorização da música popular no cinema brasileiro. Outro dos filmes da Cinédia foi O Ébrio, que se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria no País.

O papel da Cinédia também foi importante para criar uma infraestrutura que contribuiu para a emergência de talentos e desenvolvimento técnico do cinema, formando diretores, roteiristas, atores, técnicos, podendo-se mesmo dizer que a Cinédia foi uma escola de cinema, responsável, inclusive, pela introdução do som na produção cinematográfica. No entanto, sem uma sólida distribuição, com dificuldade de captar recursos financeiros, além da concorrência com o cinema estrangeiro, a Cinédia não foi capaz de garantir sua sustentabilidade. Mas marcou um importante momento da trajetória do cinema no Brasil. “Com um cinema de estúdio tipo norte-americano bem organizado, com interiores bem decorados e habitado por gente agradável, a Cinédia, em diversos filmes, colocou esses preceitos em pauta e, ao longo da década de 30, consolidou-se como o centro de produção mais importante do Brasil”.[3]  

Atlântida

Com a saída de cena da Cinédia, emergiu como grande empreendimento do cinema brasileiro, a Atlântida, que foi fundada em 1941, por Moacir Fenelon e os irmãos José Carlos e Paulo Burle e Alinor Azevedo, um militante do PCB desde a década de 30. Seu objetivo era criar uma indústria cinematográfica autossustentável, que pudesse concorrer com as produções internacionais, com filmes de grande apelo público, utilizando-se de elementos da cultura popular, do humor, do carnaval e da música, num formato acessível, alegre e divertido. Nos primeiros anos a Atlântida teve como foco os cinejornais e também produziu filmes de caráter social, como Moleque Tião, dirigido por José Carlos Burle, com Grande Otelo no papel principal, inspirado na vida do próprio autor; e Tristeza não pagam dívidas, aliás foi nesse filme que Oscarito e Grande Otelo atuaram juntos pela primeira vez. Mas o gênero que tornou a Atlântida famosa foram as chanchadas.

Em 1947 a empresa foi adquirida por Luís Severiano Jr., que já era um grande exibidor e dono de laboratório de filme no Rio de Janeiro, que imprimiu uma linha mais comercial à empresa. Até hoje a chanchada é motivo de polêmica entre os especialistas por seu gênero que misturava comédia musical, sátira política e de costumes e musicais, muito embora seus filmes fossem bastante populares, que muitos críticos denominavam de pastelões. Em outros termos, a estética da Atlântida era voltada para o riso e o entretenimento, e o humor debochado das chanchadas e muitas vezes criticava as elites da época. E até mesmo a criticava também os valores estrangeiros, como no filme Esse Mundo é um Pandeiro e chegou mesmo a satirizar suas próprias produções como no filme Carnaval da Atlântida ou sátiras como Matar ou Correr, paródia aos filmes de faroeste.

Com certo distanciamento histórico, as chanchadas podem ser vistas hoje com importante manifestação cinematográfica que dialogava com as massas e refletia, a seu modo, as contradições da sociedade da época e chegou mesmo a formar o gosto do público por cinema, valorizando a espontaneidade e a identidade nacional. Hoje a Atlântida é lembrada como pioneira de um cinema nacional voltada para o grande público e com enorme sucesso popular. Em meados da década de 50, após produzir 66 filmes, a Atlântida começou a enfrentar dificuldades financeiras, tanto em função da concorrência quanto pela emergência da televisão, e encerrou suas atividades em 1962. “Na verdade, o cinema e o público brasileiros raras vezes viveram uma grande história de amor. Isso só aconteceu de maneira inconteste uma vez.”[4] Ou, como diz Sergio Augusto, citado por Desbois: escrevendo sobre o filme de Este mundo é um pandeiro: “Afinal, em nenhum outro momento de sua trajetória o cinema brasileiro se relacionou tão intensa e carinhosamente com o grande público como nos tempos em que Oscarito e Grande Otelo formavam uma dupla do barulho”, diz Laurent Desbois.[5]

Vera Cruz

Até então a grande maioria das empresas cinematográficas estavam situadas no Rio de Janeiro. No entanto, com o desenvolvimento econômico de São Paulo a burguesia paulista resolveu criar um empreendimento cinematográfico não só para rivalizar com o Rio de Janeiro e mudar o eixo do centro cultural, mas principalmente para criar uma produção de alta qualidade com nível semelhante aos grandes estúdios de Hollywood. Foi nessa conjuntura que Franco Zampari e Francisco Matarazzo criaram, em 4 de novembro de 1949, em São Bernardo do Campo, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com o objetivo de construir uma indústria de cinema de qualidade, capaz de competir com os grandes estúdios dos Estados Unidos e da Europa.

Como Zampari e Matarazzo constatavam, o cinema brasileiro carecia de uma infraestrutura sólida e uma visão profissional que possibilitasse produções de grande porte. Para tanto, criaram um parque tecnológico de ponta para a época, com equipamentos de última geração, e contrataram dezenas profissionais estrangeiros para treinar e desenvolver um cinema de qualidade no Brasil à altura dos sonhos culturais da burguesia emergente paulista e com um padrão internacional. Havia uma clara preocupação com a formação de talentos e com a criação de um ambiente de excelência artística e técnica visando desenvolver um star system, nos moldes de Hollywood. Rapidamente os estúdios Vera Cruz se tornaram um marco no cinema brasileiro, muito embora sua trajetória tenha sido breve.

Ao longo dos três primeiros anos a empresa atingiu o auge de sua produção. O primeiro grande sucesso foi o filme Caiçara, dirigido por Adolfo Celi, que obteve grande sucesso de crítica por sua produção bem acabada, o que abriu caminho para outras produções ambiciosas. Nesse processo, a Vera Cruz construiu um dos filmes mais icônicos de sua trajetória, O Cangaceiro, de Lima Barreto, que foi um dos maiores sucessos do cinema brasileiro na época, conquistando prêmios importantes como o melhor filme de aventura no Festival de Cannes e vendido para mais de 80 países. Esses filmes tinham uma forte influência de uma estética que buscava o glamour do cinema internacional.  Outra grande produção da Vera Cruz foi Sinhá Moça, dirigido por Tom Payne e Oswaldo Sampaio, que abordava o tema da escravidão e que recebeu o Leão de Bronze no Festival de Veneza. A Vera Cruz também foi ainda responsável por lançar o cineasta e comediante Amacio Mazzaropi.

No entanto, apesar do sucesso nacional e internacional, a Vera Cruz enfrentou problemas financeiros, tanto por má administração, quando por não ter construído um esquema de distribuição para competir com os distribuidores estrangeiros que monopolizavam o mercado nacional e ficavam com 60% da arrecadação. Além disso, o alto custo da produção e a ausência de público suficiente grande pra garantir uma bilheteria que sustentasse os grandes investimentos na produção, em 1954, após cinco anos de atividades, o estúdio entrou em colapso financeiro e encerrou suas operações como produtora cinematográfica. Em síntese, a Vera Cruz foi uma espécie de construção de um sonho glorioso da burguesia paulistana que resultou num grande fracasso empresarial. Nos cinco anos em que existiu a Vera Cruz produziu 22 de curtas e longas metragens e contribuiu para a formação de uma geração de cineastas, técnicos, atores e demais profissionais que depois se destacaram no mundo do cinema.

Um período de transição e criatividade revolucionária

Com o fim da Vera Cruz o cinema brasileiro passou por um intenso período de desafios, experimentações, criatividade e desenvolvimento, ao mesmo tempo em que o cenário político e cultural do País era marcado por profundas transformações estéticas, econômicas e culturais na produção cinematográfica. Sem os grandes estúdios, os cineastas buscaram modelos mais econômicos, através de uma expressão cinematográfica que dialogasse com a realidade brasileira. Foi nesse contexto que emergiu o Cinema Novo, um movimento cultural radicalmente inovador, defendendo um cinema com pouco orçamento, socialmente engajado e esteticamente simples, buscando refletir criticamente a desigualdade, a pobreza e a injustiça social no Brasil.

Os cineastas do Cinema Novo rejeitavam a artificialidade e o formalismo da Vera Cruz em favor de uma estética crua, visceral e criativa que explorava a ideia de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, uma montagem não linear e uma dramaturgia que procurava refletir os problemas e as desigualdades da sociedade brasileira, muitas vezes se aproveitando da literatura brasileira, além de dar sentido a uma identidade nacional onde o povo tivesse um protagonismo. A estética do Cinema Novo foi caracterizada por uma imagem revolucionária, como contrastes entre luz e sombra, composições que destacavam o espaço e a paisagem árida, a realidade nua e crua da sociedade brasileira, visando representar o sofrimento e as aspirações do povo. Ou seja, um cinema político buscando representar a realidade, ou a “estética da fome”, como dizia Glauber Rocha, que assumiu o Brasil como realmente ele é, com seus problemas, contradições e potencialidades.

O cinema novo representou um salto de qualidade e foi o período mais criativo e revolucionário do cinema brasileiro, instituiu um padrão, uma estética e uma linguagem moderna na cinematografia brasileira, tendo o povo como ator central em praticamente todas as películas. O cinema novo foi um movimento renovador que adquiriu várias definições, como diz Alex Viany: “cinema social, cinema de autor, cinema sem estúdio, cinema barato, cinema de câmera na mão, tudo isso e muito mais tem sido suscitado como indispensável a essa definição”.[6] Ou ainda como definiu Glauber Rocha, citado por Viany: “Nós não queremos Eisenstein, Rosselini, Bergman, Fellini, Ford, ninguém ... nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo, e a problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isso nossos filmes já nascem diferentes dos cinemas da Europa”.[7] Ainda segundo Viany, Glauber sustentava que o cinema novo queria fazer filmes de autor: “filmes em que o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de combate e filmes para construir no Brasil um patrimônio cultural”.[8] 

Apesar do enorme sucesso de crítica e entusiasmo das plateias intelectuais e universitárias, o cinema novo não pode ser considerado um grande sucesso de bilheteria como nos áureos tempos das chanchadas, mas com certeza significou uma revolução no cinema brasileiro porque trouxe para a tela o Nordeste, a favela, a luta social e fez uma unidade dialética entre o cinema e a literatura. Pode-se dividir o ciclo do cinema novo em duas fase: a primeira, que vai da segunda metade dos anos 50 até 1964, considerada a fase heroica onde a experimentação e a criatividade rompia com os padrões do velho cinema e instituía uma nova forma de fazer cinema baseado na realidade brasileira; a segunda, de 1964 a 1968, onde o cinema era de resistência, mas ao mesmo tempo de angústia e perplexidade em relação ao golpe militar; A partir daí ocorreu uma dispersão em função da ditadura, da repressão e da censura, o que pode ser considerado um período cada um buscou seus próprios caminhos, com filmes próximos do tropicalismo o do cinema alegórico, mas sempre buscando se aproximar do grande público.

Enquanto o cinema novo desafiava a estética dominante, foi realizado um filme que, mesmo não pertencendo propriamente ao cinema novo, funcionou como uma espécie de síntese possível, combinando a identidade brasileira com uma narrativa enraizada nas tradições culturais e religiosas brasileiras com uma linguagem cinematográfica universal. Trata-se de O pagador de Promessas, produzido em 1962 e dirigido por Anselmo Duarte, a partir da adaptação da peça teatral do comunista Dias Gomes. Foi o primeiro e único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

O ciclo é encerrado com a criação da Embrafilme, pelo governo militar, que foi criada com o objetivo de financiar, distribuir e promover o cinema brasileiro tanto internamente quanto no estrangeiro. Esse retorno a uma estrutura institucional de produção trouxe consigo uma nova fase de profissionalização, mas ao mesmo tempo implicou em limitações, especialmente em relação à liberdade de criação dos cineastas. Como a Embrafilme era uma empresa estatal e responsável pelo financiamento das produções, o regime exercia o controle tanto direto quanto indireto sobre o conteúdo dos filmes. Muitas vezes os cineastas eram obrigados a fazer uma espécie de autocensura, ou seja, buscavam ajustar seus roteiros para garantir financiamento.

Muito embora a Embrafilme tenha proporcionado uma revitalização da indústria cinematográfica com o aumento do número de produções e apoio à exportação de filmes brasileiros, o cinema brasileiro viveu uma fase marcada pela comercialização, sob a justificativa de encontrar um meio termo entre a produção artística e o mercado, o que geralmente gerava uma tensão constante entre a criação de um cinema de autor e a viabilidade de comercialização das obras. Os cineastas progressistas, que eram críticos do regime militar, encontravam-se numa posição difícil porque tinham que viabilizar seus projetos, mas ao mesmo tempo eram obrigados a negociar com a estrutura de poder a que combatiam.  De qualquer foram, enquanto a Embrafilme existiu até 1992 vários filmes de sucesso foram realizados como Dona For e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto; Xica da Silva, de Cacá Diegues; Pixote, a Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco, entre outros.

Com o fim da Embrafilme, pelo governo Collor, o cinema nacional entrou em crise e só se começou a se recuperar com a criação de um conjunto de leis e incentivos que foram promulgadas posteriormente para incentivar a indústria cinematográfica, como a Lei do Audiovisual e depois a Agência Nacional do Cinema – Ancine. Os estudiosos do cinema afirmam que, a partir desse período, emerge o chamado cinema de retomada, com filmes como Carlota Joaquina, de Carla Camurati (1995); O Quatrilho, de Fabio Barreto (1995); Central do Brasil, de Walter Salles (1998); Cidade de Deus, de Fernando Meireles (2022); sendo que os dois últimos chegaram a ser indicados para o Oscar; Posteriormente, foram realizados filmes de sucesso e denúncia da ditadura como Batismo de Sangue, de Helvecio Ratton (2007);  Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019), grande sucesso de crítica e, mais recentemente, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Razões para a aproximação dos intelectuais e cineastas ao PCB

Ao longo da trajetória do cinema brasileiro, o PCB teve um papel importante nesse processo, quer formulando diretrizes para a consolidação do cinema brasileiro, ou mesmo através de cineastas do partido, muitos dos quais tiveram papel importante no desenvolvimento do cinema nacional, particularmente no Cinema Novo. Essa relação entre o PCB, o cinema e os intelectuais era parte da estratégia nacional e democrática do Partido naquela época e teve enorme influência tanto no cinema, mas também na literatura, no teatro, nas artes plásticas, na música, na ciência e até no futebol. Pode-se dizer tranquilamente: quem contar a história da cultura brasileira obrigatoriamente tem que falar do PCB e de seu esforço para criar uma cultura nacional.

A relação do PCB com os intelectuais, artistas e cineastas são longevas porque o PCB, desde sua fundação em 1922, sempre formulou uma linha política que buscava aderência à realidade brasileira, com as propostas mais progressistas para o País, visando as transformações sociais na perspectiva do socialismo, além do fato de ser o representante no Brasil dos ideais da revolução bolchevique. À medida em que o Partido vai se consolidando e aumentando sua influência na sociedade, passa a oferecer um espaço privilegiado para todos aqueles que acreditavam na possibilidade de construção de um país moderno, justo, democrático e igualitário, o que obtinha a simpatia da intelectualidade progressistas e da juventude.

É bem verdade que essa ligação muitas vezes foi marcada por tensões e rupturas, mas as ideias do PCB refletiam os desafios de um País em busca de sua identidade e, por isso mesmo, em todos os momentos de sua história, o Partido foi não só portador das ideias do futuro, com a perspectiva socialista, mas também um espaço privilegiado para a criatividade intelectual. Por isso mesmo, é parte do processo civilizatório brasileiro, o que explica sua estreita relação com os artistas e intelectuais brasileiros.

Nesse contexto, o PCB foi o primeiro Partido a defender a industrialização brasileira ainda nos anos 20 e propor uma alternativa ao Brasil conservador e elitista, quando o País era uma nação agrário-exportadora e tinha uma classe dominante distanciada de qualquer identidade nacional porque estava ligada culturalmente à Europa. Dessa forma, o PCB tornou-se um polo de atração para aqueles que acreditavam em um futuro progressista para o País. A visão de uma sociedade moderna e industrializada, com desenvolvimento econômico e social, ganhava a simpatia de vários intelectuais, que viam no PCB a força necessária a contribuir para a realização dessas mudanças. Tanto assim que vários participantes da Semana da Arte Moderna, realizada em 1922, posteriormente se tornaram integrantes do PCB

Na década de 30, as formulações antimperialistas do PCB foram fundamentais para a criação da maior entidade de massas da história do Brasil, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), o que proporcionou a aproximação de centenas de intelectuais a essa organização em função das formulações defendidas pelo PCB. Essa aproximação também era motivada pela figura lendária de Luís Carlos Prestes, que comandou a Coluna Invicta, que recebeu o seu nome (Coluna Prestes), e o projetou internacionalmente como liderança revolucionária. A ANL, mesmo fechada pelo governo Vargas, e mesmo que o PCB tenha promovido o fracassado levante militar de 1935, os vínculos entre os intelectuais e o Partido continuaram se fortalecendo também pela posição firme do PCB em relação à conjuntura internacional de ascensão do fascismo. Na luta contra o fascismo o PCB se tornou um centro de resistência ao autoritarismo, não só enviando militantes para combatê-lo na Europa, ao mesmo tempo em que promovia encontros, debates e publicações que aproximavam nomes da cultura para as teses levantadas pelo PCB.

A década de 40 foi decisiva para a consolidação da influência do PCB junto aos artistas e intelectuais. Com a vitória do Exército Vermelho e o imenso prestigio da URSS consolidou-se a imagem positiva do comunismo. Nessa conjuntura, o PCB se reorganizou rapidamente, conquistou a legalidade, elegeu 14 deputados federais e um senador, tornando-se um partido de massas e ampliou sua influência entre a intelectualidade, entre os artistas, inclusive junto às escolas de samba. Amparado no prestigio da União Soviética e na figura lendária de Luís Carlos Prestes, o Partido tornou-se uma organização de referência para escritores, cineastas, artistas plásticos, cantores e artistas em geral. Mesmo com o início da guerra fria e o fim da legalidade, o PCB continuou sendo o referencial para a intelectualidade progressista brasileira, que viam no Partido a força capaz de liderar as transformações no País e alcançar o progresso social.

Durante os anos 50, com o governo nacionalista de Vargas e a posterior industrialização promovida por JK, o PCB ampliou sua influência porque continuava sendo o portador mais importante das ideias avançadas no Brasil. Foi nesse período que a produção cultural do País ganhou força, especialmente nos setores da literatura, do cinema, das artes plásticas e do teatro. Os intelectuais viam no Partido a oportunidade de promover a ideia de que a cultura deveria servir ao povo e aos seus interesses, mediante projetos culturais que procuravam retratar os problemas reais do povo brasileiro e a riqueza da cultura popular. Foi um período em que os intelectuais e artistas ligados ao PCB, através da arte, da literatura, do cinema buscavam transformar a consciência nacional e o PCB era visto como o principal instrumento capaz de levar essa conscientização ao grande público, dada a sua inserção junto às classes populares. Essa ligação era tão forte que um estudioso da relação entre o partido e os intelectuais pontificou: “Em determinados momentos da história brasileira, para ser intelectual progressista, era quase necessário estar próximo ou passar pelo Partido Comunista”.[9]

Os anos 60 foram marcados pela intensa luta política no Brasil e ascensão do movimento sindical e popular em torno das reformas de base, até 1964, quando ocorreu o golpe militar. Nesse período o PCB ampliou ainda mais a influência junto aos cineastas, artistas e intelectuais, destacando-se a produção intelectual do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), diversas publicações culturais do PCB e a criação do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, um marco na história cultural brasileira, com grande influência do PCB, a partir do qual artistas e intelectuais desenvolveram uma tentativa ambiciosa de unir arte e política na perspectiva de um projeto de transformação social. Através da UNE volante, o CPC desenvolveu um projeto artístico onde a cultura deveria ser um campo de batalha através do qual as massas populares poderiam ser educadas e mobilizadas para a luta pelas transformações sociais. A produção artística incluía cinema, música, literatura, teatro de rua, sempre denunciando as injustiças socias e a exploração. Mesmo fechado pelo golpe, o CPC formou uma geração de artistas e intelectuais que resistiram à ditadura e marcaram profundamente a cultura brasileira.

A partir do final da década de 60 o PCB enfrentou uma série de crises internas, incluindo dissidências influenciadas por movimentos guerrilheiros. Como o Partido elaborou a linha política da Frente Democrática como instrumento de acumulação de forças para combater a ditadura e os grupos que aderiram à luta armada foram todos dizimados pela repressão, novamente a linha política vitoriosa do PCB, apesar da imensa repressão contra o Partido, ganhou a simpatia dos intelectuais e o PCB continuou sendo a referência cultural na luta contra a ditadura. Mas a partir de meados da década de 70 e início da década de 80 a conjuntura mudou bruscamente, com a feroz repressão contra o Partido,[10] a emergência do movimento operário, o surgimento de novas organizações sociais e política e novas crises no PCB, particularmente com a queda dos países do Leste Europeu e posteriormente da União Soviética. A partir desse período, há uma enorme dispersão e o centro de gravidade da produção intelectual passa da militância partidária para as universidades, o que vai reduzir o peso do Partido junto aos intelectuais, muito embora o PCB ainda mantenha uma expressiva parcela de intelectuais em suas fileiras.

Os primeiros momentos do cinema brasileiro

A década de 30 é também marcada por um conjunto de fenômenos que irão marcar a sociedade brasileira. Do ponto de vista político, consolida-se a revolução de 1930 e o ciclo do governo Vargas, emerge com força a Aliança Nacional Libertadora e a adesão de centenas de intelectuais a essa organização, dirigida pelo PCB, e também essa década encerra o ciclo do cinema mudo e emerge o cinema falado, que vai monopolizar a arte cinematográfica no Brasil.  A década de 30 também foi um momento político que impulsionou o projeto de modernização do Estado e da cultura brasileira. O cinema passou a ser visto como uma ferramenta pra promover a nova imagem do País. Essa década também foi marcada pela crescente urbanização, especialmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o que também contribuiu para a expansão do público cinematográfico.

Foi justamente nesse período que emergiu o cinema falado no Brasil. A chegada do som transformou radicalmente a produção cinematográfica, uma vez que essa nova modalidade de cinema passou a incorporar não apenas diálogos, mas também trilhas sonoras e musicais, elemento importantes que proporcionavam uma nova dinâmica à produção cinematográfica. A transição do cinema mudo para o falado enfrentou dificuldades técnicas, como a sincronização do som com a imagem, o que exigiu novas equipamentos, reestruturação das empresas cinematográficas, além de uma luta ideológica contra os saudosistas. Para as gerações de agora, o cinema falado seria um fato natural, mas na época causou grande polêmica e oposição apaixonada, conforme se pode constar num artigo de um cronista daquele período. “O cinema é arte. Arte do preto e do branco. Arte muda. Arte dinâmica, arte visual. Não admite o colorido da vida real. Não admite a palavra – do teatro. Não admite o canto – da ópera. Não admite a complicação psicológica – do romance. Arte própria, nada pede às outras artes. Arte própria, ela se basta a si mesma”[11]

Outro problema enfrentado pelo cinema brasileiro, tanto na década de 30 quanto ainda hoje) é a concorrência com os filmes estrangeiros, especialmente aqueles dos Estados Unidos. A maioria dos cinemas do Brasil exibia filmes de Hollywood, que chegavam ao País em melhores condições técnicas e favorecidos pela distribuição que era controlada pelo capital estrangeiro. Além disso, a produção brasileira era fragmentada, com pouca infraestrutura, pouco financiamento, e sem apoio governamental. Isso significava uma desvantagem do filme brasileiro em relação aos filmes estrangeiros, pois os filmes nacionais tinham muitas vezes tiragens pequenas, com pouca distribuição, o que dificultava chegar ao grande público. A isso juntava-se o fato de que as distribuidoras ficavam com a parte do leão dos recursos da bilheteria. Tudo isso limitava o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira, mesmo com os estúdios maiores como a Cinédia.

Em alguns momentos, principalmente na metade da década de 30, o governo Getúlio Vargas viu no cinema a possiblidade de utilizá-lo como instrumento pedagógico tanto para divulgar as realizações do governo quanto para educação das massas. Conforme Anita Simis, Getúlio Vargas achava fundamental a contribuição do cinema na formação da nação, conforme discurso de 1934: “Entre os mais úteis fatores de instrução de que dispõe o Estado moderno inscreve-se o cinema...Para a massa de analfabetos será essa a disciplina pedagógica mais perfeita, mais fácil e impressiva. Para os letrados, para os responsáveis pelo êxito da nossa administração será uma admirável escola...A técnica do cinema corresponde aos imperativos da vida contemporânea...Associando o cinema ao rádio e o culto racional dos desportos, completará o governo um sistema articulado de educação mental, moral e higiênica, dotando de instrumentos imprescindíveis à preparação de uma raça empreendedora, resistente e varonil.”[12]

Nesse sentido, o governo criou o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), em 1937, que desenvolveu um intenso trabalho de difusão do cinema nas áreas de educação e cultura. Segundo relatório do INCE, a instituição realizou projeções em mais de mil escolas e institutos de cultura, elaborou filmes documentais e organizou uma cinemateca. “Até 1941 já haviam sido editados cerca de 200 filmes, distribuídos não apenas nas escolas, mas também em centros operários, agremiações esportivas e sociedades culturais”.[13] Após o levante de 1935 e, principalmente após o Estado Novo, o governo aproveitou a experiência obtida com o cinema para instituir uma máquina de propaganda do governo autoritário de Vargas, buscando divulgar as obras do governo e a imagem carismática do ditador.

No entanto, o INCE teve certa importância para o cinema brasileiro, segundo o crítico e cineasta Geraldo Santos Pereira. “Apesar de exercer escassa influência na evolução do cinema brasileiro, o INCE serviu como escola para diretores e documentaristas, roteiristas, montadores, técnicos de som e trucadores de filmes de curta metragem, além de promover a integração do cinema educacional do País. Não teve a entidade, contudo, uma ação decisiva na formulação de medidas de estímulo industrial ao cinema brasileiro e sua criação e, de certa forma, a retardou por dar a falsa impressão de estar o poder público cuidando de seu fomento quando, na verdade, atendia unicamente ao setor educativo e cultural”.[14]

Mesmo com todas as dificuldades do cinema brasileiro na década de 30, o PCB esteve presente na construção do cinema brasileiro através de alguns de seus militantes, como Oduvaldo Vianna (pai) e Jararaca, da dupla Jararaca e Ratinho, Rui Santos em começo de carreira e Alinor Azevedo, como um dos fundadores da Cinédia. Pioneiro na dramaturgia brasileira, Oduvaldo Vianna foi aos Estados Unidos, em 1929, para estudar técnica de cinema sonoro e ver a possibilidade de montar um estúdio cinematográfico no Brasil. Mesmo não conseguindo, resolveu colocar no palco aquilo que aprendera em Hollywood, através da Companhia Brasileira de Espetáculos Modernos. Dessa forma, roteirizou, produziu e dirigiu, nos estúdios da Cinédia, o filme Bonequinha de Seda, um dos primeiros filmes sonoros do cinema nacional e a “primeira sequência filmada com uma grua e as primeiras transparências”.[15] Posteriormente, Viana iniciou a direção de Alegria, mas por desentendimento com a Cinédia teve que interromper as filmagens, mas depois o roteiro foi transformado em telenovela e peça teatral. Posteriormente, em 1938, Vianna dirigiu em Buenos Aires, El Hombre que Nasció dos Veces. Após esses filmes, Vianna só voltaria a filmar em 1949.[16]

Outro dos militantes do PCB que estiveram presentes nos primeiros anos do cinema brasileiro, foi o músico José Luíz Rodrigues Calazans, o Jararaca, da dupla Jararaca e Ratinho. Jararaca, junto com Ratinho, formaram a dupla de humoristas mais famosa do Brasil e participaram tanto da fase de ouro do rádio no País quanto do cinema nacional especialmente dos musicais, muito comuns na época. Entre os filmes que a dupla participou está Coisas Nossas, de Wallace Downey, em 1930, também um dos primeiros filmes falados no Brasil, além de participação em outras produções cinematográficas. Jararaca (e a dupla) manteve uma careira bem sucedida por várias décadas, sendo perseguido pelas duas ditaduras brasileiras e cassado da Rádio Nacional em 1964 junto com 107 colegas porque, para as autoridades golpistas, a Rádio Nacional “funcionava como uma célula comunista”.[17] Jararaca é autor da conhecida música Mamãe eu Quero (Parceria com Vicente Paiva), um sucesso nacional e internacional, gravada por Carmem Miranda e Bing Crosby. Ainda em 1930 encontramos o jovem Rui Santos estreando como assistente de fotografia em O Limite, lendário filme de Mario Peixoto[18]. Em 1936 foi assistente de Câmera na Cinédia e em 1939 o mesmo cineasta realizou o documentário, Itapoã, com Jorge Amado, em Salvador, e A Jangada, com o produtor João Tinoco de Freitas, além da atuação como câmera em Alma e Corpo de uma Raça, de Milton Rodrigues, em 1938.[19] 

Os anos 40 e a transição para uma nova estética cinematográfica

Os anos 40 foram marcados por transformações profundas da sociedade brasileira, metade da qual esteve envolvida na segunda guerra mundial e a outra metade com a euforia da liberdade, da vitória dos aliados contra o nazismo e a busca do fortalecimento da identidade nacional capaz de resistir às influências externas. Os comunistas saíram bastante fortalecidos nesse período, tanto porque, apesar da repressão, resistiram à ditadura estadonovista e lutaram bravamente contra o fascismo, inclusive com o envio de militantes para lutar no exterior contra o nazi-fascismo, mas principalmente pelo imenso prestígio de Prestes e da União Soviética, a principal responsável pela derrota do nazismo. Além disso, o Partido conquistou a legalidade e pôde participar abertamente da vida nacional, não só elegendo parlamentares na Constituinte, mas também organizando os trabalhadores, trajetória que proporcionou ao PCB uma enorme simpatia junto à intelectualidade, artistas e cineastas.

A década de 40 representou um período marcado pela transição entre um modelo de cinema industrial marcado por forte apelo popular e o surgimento de uma nova geração de cineastas que passaram a questionar as convenções estabelecidas. Estúdios como a Atlântida continuaram a fazer filmes populares, mas existia entre os artistas um desejo crescente de modernização e de construção de uma identidade cinematográfica própria, com um cinema voltado para retratar a realidade brasileira. Cineastas jovens começaram a buscar alternativas mais críticas e alinhadas com a realidade da sociedade brasileira, com seus problemas sociais e a necessidade de transformações políticas, econômicas e sociais do País. Afinal, a vida urbana das grandes cidades, com suas contradições e desigualdades, tornava-se um cenário ideal para a ousadia de jovens cineastas.

Para os comunistas, essa nova fase da vida brasileira representou um desafio ao qual estavam dispostos a enfrentar. Deve-se lembrar que a revolução bolchevique deu importância especial ao cinema e os comunistas brasileiros aproveitaram a nova conjuntura para contribuir com a construção de um cinema nacional, como dizia Lenin:  “De todas as artes, a mais importante para a construção do socialismo é o cinema”.[20] Com esse entendimento e com a estratégia da revolução nacional e democrática, os militantes do PCB procuraram de todas as formar se ligar à produção cinematográfica brasileira e realizaram um grande esforço para debater os problemas do cinema, criar condições para um cinema novo, formar novas gerações com essas concepções, criar novas linguagens cinematográficas baseada na realidade brasileira, além de um aporte de formulações teóricas, de forma a que essa arte conseguisse se transformar num instrumento popular e, especialmente, pudesse contribuir para a denúncia dos problemas sociais do País bem como para a conscientização popular.

Como ressalta o estudioso das relações entre o PCB e os intelectuais: “O período entre 1945-1947 é, qualitativamente, o mais rico da coexistência (do PCB, EC) com os intelectuais. Nesses anos o Partido estrutura um conjunto relativamente articulado e bastante numeroso de entidades culturais e meios de produção simbólicos, além de influenciar outros existentes. Desse conjunto ... fazem parte oito jornais diários e inúmeros semanários nas principais capitais e cidades brasileiras, uma agência de notícia, a Interpress, inúmeras revistas, inclusive uma voltada ao campo cultural, a revista Literatura, dirigida por Astrogildo Pereira, duas editoras, um serviço de cinejornal, depois transformado em produtora cinematográfica, a Liberdade Filmes e vários outros meios e entidades”, diz Rubim.[21]

Com essa compreensão os jovens cineastas, críticos e intelectuais em geral do PCB se debruçaram de corpo e alma na busca de construção de um cinema com características brasileiras, a partir da realidade nacional. Para tanto os militantes do PCB nessa área não só buscaram produzir cinema de maneira autônoma, como também organizaram a criação de entidades, promoveram seminários, debates, congressos, publicaram revistas e jornais, inauguraram cineclubes pelo Brasil a fora, tudo isso num esforço heroico para a construção de um cinema brasileiro que, mesmo sem os recursos dos grandes estúdios dos Estados Unidos e da Europa, pudesse realizar uma produção barata mas criativa e revolucionária, o que terminou se consolidando nos anos 50 e 60, quando o cinema brasileiro ganhou prestígio nacional e internacional. O cinema que temos hoje no País deve muito aos pioneiros comunistas dos anos 40 e 50 que desbravaram rotas cinematográficas nunca dantes navegadas.

 

O PCB e o cinema brasileiro (2)

Edmilson Costa

Nesse ensaio, a partir de agora, vamos combinar nossa análise dos principais aspectos que caracterizaram o cinema brasileiro com a participação efetiva de militantes comunistas na área do cinema ou daqueles que militaram apenas por algum tempo ou ainda daqueles que não eram militantes organizados, porém eram simpatizantes e trabalhavam na área do cinema de acordo com as orientações políticas do Partido. Buscaremos resgatar assim um importante elemento da história do PCB na área do cinema, fato que é essencialmente silenciado pela política anticomunista que caracteriza as classes dominantes brasileiras e seus representantes na institucionalidade Prova dessa truculência da burguesia é o fato de que, de 1922 a 1985, o PCB funcionou apenas pouco mais de dois anos na legalidade; as outras mais de seis décadas teve que operar na clandestinidade. E mesmo certa intelectualidade pós-moderna que atua nas universidades busca invisibilizar a presença do PCB na construção da cultura e do cinema brasileiro. Entretanto, com todas essas restrições, o PCB teve enorme influência na construção do cinema brasileiro. Por isso, a necessidade de resgatar essa história.

Ruy Santos, pioneiro do cinema comunista

Ao contrário do que muitos imaginam, o cinema engajado e militante não começou com o Cinema Novo, mas com um jovem militante do PCB, Ruy Santos, em meados dos anos 40, que combinava o cinema militante de esquerda com a ideologia.[22] Oriundo de uma família comunistas e empolgado com os novos ventos do pós-guerra, Ruy Santos, em sociedade com Oscar Niemeyer e João Tinoco de Freitas, já em 1945, fundaram a produtora Liberdade Filmes, buscando autonomia para a realização de seus filmes e a Tabajara Filmes, especializada na distribuição de filmes soviético, mas que também distribuía filmes nacionais. Essa produtora realizou na década de 40 pelo menos três documentários que entraram para a história do cinema brasileiro. São eles, Comício: São Paulo a Luís Carlos Prestes, com depoimentos de Pablo Neruda e Jorge Amado, Marcha Para a Democracia, sobre os comícios de Prestes em várias regiões do País e 24 Anos de Luta, sobre a história do Partido até 1947, todos dirigidos por Ruy Santos. Mas a Liberdade Filmes não resistiu a cassação do registro do PCB e teve que encerrar suas atividades.

“Esses três documentários registram o momento em que o PCB se voltava para a mística de Prestes, quanto ele passou a ser uma referência para a multidão que comparecia aos comícios. Essas imagens são representativas de um momento particular da história do PCB ... que permaneceu mais tempo na ilegalidade do que com plenos direitos políticos. As imagens retratam, através do olhar peculiar de Ruy Santos, um dos momentos da legalidade do Partido ... E mais, as imagens de Rui Santos registram o PCB de Luís Carlos Prestes no momento que ele desponta para o futuro como o “cavaleiro da esperança” e grande liderança do povo”, dizem Bastos e Ramos.[23] 

 Merece destaque especial o documentário 24 anos de Lutas pelo esforço para sua realização, a trajetória recambolesca e seu destino trágico. Para sua realização, foi mobilizada a militância do Partido, numa campanha financeira popular liderada por Oscar Niemeyer e Jorge Amado, visando arrecadar recursos para sua realização. O documentário foi roteirizado por Astrogildo Pereira, dirigido e fotografado por Ruy Santos e narrado por Amarildo Vasconcelos, com música de Gustavo Mahler. Com 1,20 horas de duração, contém depoimentos de Astrogildo, Prestes, Jorge Amado, entre outros e reconstituição da fundação do PCB e da Conferência da Mantiqueira, respectivamente no Rio Grande do Sul e na Estação Barão de Mauá, da Leopoldina. O filme recupera ainda imagens de comícios de outros documentários de Ruy Santos e termina com as bandeiras vermelhas agitadas num ato público.[24] 

O documentário 24 Anos de Luta estreou em 1947 na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Como era exigido no período, o filme foi enviado para a Censura Federal para que fosse exibido em todo o País, mas a cópia foi apreendida pelo DOPS. Com a cassação do registro do Partido, mesmo com a solicitação de explicações do deputado Jorge Amado, a cópia ficou apreendida e até hoje encontra-se desaparecida.[25] Uma das cópias desse filme foi perdida na Tchecoslováquia e outra que existia na Cinédia foi queimada por Ademar Gonzaga em função do golpe militar. Rubim, em nota de rodapé, fala de um escrito de Paulo Roberto Ferreira, no qual ele afirma que uma cópia desse documentário era utilizada pela repressão, após o golpe, para verificar se os comunistas que apareciam no filme ainda estavam vivos. Em outra nota de rodapé Rubim também reproduz informação de Armênio Guedes de que existe uma cópia desse documentário em mãos particulares em São Paulo.[26] Deste filme resta apenas o roteiro, preservado no Arquivo Público do Rio de Janeiro.

Com o filme sobre o comício de Prestes, Rui Santos foi convidado a representar o Brasil no festival de cinema da República Democrática Alemã, onde foi eleito para a diretoria da União Mundial dos Documentaristas. Mas não foi só de vitórias a trajetória de Ruy Santos: em 1948 foi preso pela polícia política, quando parte do seu acervo foi apreendida. “Ruy Santos fez de tudo um pouco no cinema e reúne em sua bagagem quase uma centena de filmes, entre curta, média e longa metragem dos mais variados gostos e tendências. Ficou famoso por suas filmagens em exteriores. Seu olhar era impregnado de paixão e lirismo, um verdadeiro poeta da imagem. Mas se nos atermos ao trabalho de Ruy Santos, atuante já há duas gerações antes do cinema novo, não compreendemos porque seu nome não frequentou as produções de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, entre outros ... Apesar de ser um dos primeiros a anunciar questões políticas no cinema não teve seu nome associado aos grandes nomes do cinema novo”, dizem Bastos e Ramos.

Ainda em 1944 o jovem comunista, Carlos Scliar, dirige o filme Escadas, com fotografia de Ruy Santos. Outro filme realizado por comunistas foi Estrela da Manhã, realizado entre 1948 e 1950, com argumento de Jorge Amado, roteiro de Rui Santos, direção de Jonald (pseudônimo do médico Oswaldo Marques de Oliveira), música de Radamés Gnatali e canções de Dorival Caymi. “Logo em seguida Rui Santos dirige seu primeiro longa metragem, Aglaia, tendo como roteiristas e assistentes Jorge Ielli e Alex Viany, com argumento de Oswaldo Alves e tendo no elenco as atrizes Ruth de Souza e Roberta Gnatali, filha de Radamés. Mas, estranhamente, o filme foi abandonado quanto estava quase pronto.[27] Em 1948, o PCB lança a revista Fundamentos, mais um canal de comunicação entre os intelectuais e o Partido, na qual existia uma coluna permanente de cinema e onde vários críticos e diretores escrevia sobre o cinema nacional.

Alinor Azevedo e a renovação do roteiro

Alinor Azevedo foi um dos fundadores da Atlântida junto com Moacyr Fenelon e os irmãos Paulo e José Carlos Burle. Membro do PCB desde a década de 30, foi também jornalista e trabalhou no jornal A Manhã, porta-voz da Aliança Nacional Libertadora, fechado após a insurreição de 1935. Posteriormente trabalhou ainda na Agência Meridional e no O Jornal, ambos de propriedade dos Diários Associados. Alinor foi uma espécie de ícone para a geração que se contrapunha aos projetos da Vera Cruz porque foi um dos subscritores do Manifesto Nacionalista da Atlântida, documento que causou grande impacto na época. Na Atlântida, Alinor foi o responsável pelo cine-jornal da empresa,  Atualidades Atlântida, muito famoso na época, e foi um dos primeiros a colocar a questão do racismo e do nacionalismo como temas no cinema, além do fato de ter renovado a linguagem do roteiro.

Sua primeira experiência com cinema foi a direção do documentário Cais em Revista, de 1939, financiado com recursos próprios. Mas Alinor se tornou mais conhecido e admirado como roteirista, argumentista e autor dos diálogos. Como roteirista, foi autor, entre outros, de Asas do Brasil, Carnaval de Fogo, Não é Nada Disso, Aviso aos Navegantes, Milagre de Amor, Maior que o Ódio, É fogo na Roupa, Com o Diabo no Corpo, Balança Mais Não Cai, A Família Lero-Lero, Na Corda Bamba e Um Ramo para Luiza. Como argumentista e roteirista assinou, entre outros, os seguintes filmes: Moleque Tião, Luz dos Meus Olhos, Terra Violenta, Também Somos Irmãos, Na Senda do Crime e Depois Eu Conto. Como argumentista, assinou ainda os seguintes filmes: Não Adianta Chorar, Cidade Ameaçada, Colégio de Brotos, Assalto ao Trem Pagador. Como autor de diálogos assinou as seguintes películas: Um Caçula do Barulho e Carnaval em Marte. “A criação de um texto solto ... pode ter sido uma das maiores novidades trazidas por ele”, diz Melo Souza.[28]

Anos 50, a construção das bases do cinema brasileiro

A década de 50 pode ser considerada o momento de tomada de consciência e construção das bases do cinema brasileiro, tanto em termos teóricos, legais, de linguagem, bem como da consolidação de um cinema de caráter nacional. A década de 50 pode ser considerada um dos momentos mais significativos em que o PCB exerceu sua influência sobre a formulação de uma política cultural para o cinema brasileiro, tanto no que se refere às diretrizes mais gerais em termos de produção e distribuição, criação de entidades,  realização de seminários, debates, congressos sobre os destinos do cinema, além das linhas gerais que foram aprovadas nos dois principais congressos do cinema brasileiro realizados no início dos anos 50.

No final dos anos 40 e início dos anos 50 os militantes do PCB de São Paulo e também do Rio começam a desenvolver um intenso trabalho para consolidar instrumentos que possibilitassem avançar no sentido de um cinema autenticamente nacional. Para tanto, os jovens militantes Carlos Ortiz, Rodolfo Nanni e Alex Viany, Walter da Silveira procuram criar cineclubes, fundam o Centro de Estudos Cinematográficos e realizam seminários de cinema. “Era o primeiro curso sistemático de história do cinema, de técnica e estética cinematográfica que aparecia no Brasil. O corpo docente era constituído sobretudo de críticos cinematográficos, estudiosos de cinema e cineamadores prata de casa”.[29] Em 1951, sob a orientação dos militantes do PCB, é fundada a Associação Paulista de Cinema (APC), que mais adiante terá um papel determinante nos destinos do cinema brasileiro. Enquanto criam instrumentos de popularização do cinema através dos cineclubes pelo Brasil afora, realizam um intenso debate através da revista Fundamentos, que se tornaria um posto avançado da discussão sobre o cinema nacional.

O objetivo da APC era buscar a unidade de todos envolvidos com o cinema, de forma a agregar produtores, críticos, cronistas, cineastas, cineamadores, sócios de cineclubes num amplo movimento de defesa do cinema nacional. Através do debate em mesas redondas e de textos produzidos por esses militantes e debatidos internamente colocava-se para o debate um conjunto de questões sobre o futuro do cinema no País. Esse conjunto de iniciativas vai desaguar no I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro, realizado em abril de 1952, “cujas resoluções deixaram marcas na vida associativa e na consciência cinematográfica brasileira”, enfatiza Ortiz.[30] Nesse encontro, do qual Ortiz foi um dos organizadores, são apresentadas teses sobre legislação, produção, comercialização, profissionalização e problemas relativos a questões culturais. Essas iniciativas criaram as bases para a realização de dois congressos nacionais e para o aparecimento da Comissão Federal de Cinema e comissão estaduais e municipais.[31]

Nessa conjuntura, logo depois, foi realizado o histórico I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, após debates preparatórios realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Foi um acontecimento inédito na história do cinema, nas Américas e até mesmo na Europa. Ouve-se falar com frequência em festivais de cinema ... mas nunca se ouvira falar num congresso nacional de homens de cinema, reunidos durante uma semana para debaterem teses e votarem resoluções sobre problemas econômicos e profissionais, técnicos, estéticos e culturais da indústria de filmes. O I Congresso Nacional de Cinema Brasileiro é, por conseguinte, fato virgem nos 57 anos de história da sétima arte. Não se apagarão tão cedo as ressonâncias desse magnífico espetáculo de unidade, de amplitude e de civismo, cujas resoluções servirão de roteiro para o cinema nacional”,[32] diz um empolgado Carlos Ortiz, um dos organizadores do Congresso em artigo para a revista Fundamentos.

Entre as 29 resoluções do Congresso, de acordo com Geraldo Santos Pereira, em seu livro Plano Geral do Cinema Brasileiro, os delegados se comprometeram a tudo fazer para que o cinema brasileiro reflita de fato a cultura nacional e se baseie em histórias brasileiras; o congresso definiu também que só poderá gozar dos benefícios das leis de proteção ao cinema brasileiro os filmes com as seguintes características: a) capital 100% brasileiro; b) realizado em estúdio e laboratório brasileiros; c) argumento cinematográfico, diálogos e roteiro feito por brasileiros ou estrangeiros radicados no Brasil; d) falado em português; e) equipes técnicas e artísticas que obedeçam a lei dos 2/3. Afirma ainda que os órgãos competentes estudem os meios de financiamento de filmes, através de bancos e entidades de crédito, tendo como base de garantia a própria renda a ser auferida pela exibição do filme.[33] 

Além disso, o congresso recomendou ainda às autoridades a necessidade da urgente criação de uma Escola Nacional de Cinema; condenou a distribuição de filmes brasileiros, dentro do Brasil, por empresas estrangeiras e reivindicou ainda que os clubes de cinema criem uma federação de clubes e uma filmoteca central; além de considerar justas e necessárias as reivindicações de trabalhadores e técnicos do cinema. O Congresso também instituiu uma Comissão Permanente de Defesa do Cinema Brasileiro composta por 17 pessoas ligadas ao cinema, entre as quais os comunistas Ruy Santos, Alex Viana, Carlos Ortiz, Nelson Pereira dos Santos, Salomão Scliar, Walter da Silveira.[34] Um ano depois foi realizado em São Paulo o II Congresso que basicamente incorporou as resoluções do primeiro e recomendou alguns ajustes para aperfeiçoar as reivindicações do cinema brasileiro.

Walter da Silveira, pioneiro dos cineclubes

Um dos aspectos mais importantes no que se refere à democratização das exibições cinematográficas e aproximação do cinema com o grande público foi o movimento de criação de cineclubes pelo Brasil afora. Nesse processo, Walter da Silveira, advogado comunista desde 1934, foi uma figura icônica no contexto do cineclubismo brasileiro, especialmente na Bahia. Ele foi o principal articulador da criação de uma cultura cinematográfica crítica, formadora e engajada em um País que até então necessitava de instrumentos e estrutura sólida para apreciação e o debate sobre o cinema brasileiro. Foi o fundador do Cineclube da Bahia, nos anos 50, que se tornou referência para uma nova geração de cineastas, críticos e espectadores do cinema como uma arte transformadora e instrumento de reflexão sobre os problemas sociais brasileiros.

O Cineclube da Bahia, sob a liderança de Silveira, foi também um espaço de formação intelectual, onde a exibição de filmes era acompanhada por debates sobre estética, linguagem cinematográfica e, especialmente, sobre o contexto em que essas obras estavam inseridas. Uma verdadeira escola de formação, que compreendia o cinema como uma arte capaz de reunir literatura, música, artes plásticas, fotografia e, principalmente, ousadia com o objetivo de educar e formar consciência crítica dos cineclubistas. Silveira via no cinema uma ferramenta política e cultural, que deveria servir à emancipação do pensamento, resistência cultural, formação de uma nova geração de cineastas e debate sobre a arte cinematográfica e a realidade brasileira.

Foi nesse ambiente do cineclube baiano que muitos dos principais nomes do cinema novo, que viviam nessa época na Bahia, foram influenciados pelos debates e aprofundaram a consciência da necessidade de um cinema nacional de expressão própria, com uma linguagem nova, desvinculados dos moldes do cinema hollywoodiano. Essa conjuntura pavimentou o caminho para que o Cinema Novo emergisse com identidade forte, marcado por sua inquietação social e estática. “O Clube de Cinema da Bahia ... desempenhou importante papel na formação inclusive de cineastas como Glauber Rocha, Orlando Sena, Paulo Gil Soares, Guido Araújo, Roberto Pires, Rex Schidler durante boa parte em que sua existência girou em torno de Walter da Silveira”, diz Rubim.[35] 

Alguns historiadores do cinema também classificam esse momento como a construção do “cinema independente”, composto por realizadores e críticos em sua grade maioria ligados ao Partido Comunista Brasileiro. “Os independentes questionaram, no calor da hora, o modelo “industrial” importado pelos grandes estúdios paulistas, associando tal modelo, direta ou indiretamente, à ação imperialista do cinema estrangeiro – notadamente norte-americano – em um processo conjunto de dominação econômica e cultural. Por outro lado, defendiam a procura por uma forma “brasileira” e “realista” de fazer cinema, essencialmente popular e comunicativa, expressa sobretudo pelo “conteúdo”, isto é, pelos temas e histórias levados à tela ... tais como o folclore, a música popular, o campo, a favela, o universo do trabalhador e do “homem comum, etc”,[36] ressalta Rocha Melo.

Alex Viany, um pioneiro e um guerreiro do cinema

Alex Viany era o pseudônimo de Almiro Viviani Filho. Em 1945, viajou para Hollywood, onde foi correspondente da revista O Cruzeiro, ao mesmo tempo em que aproveitou sua estadia nos Estados Unidos para aprofundar seus conhecimentos cinematográficos através de contatos com os estúdios locais, além de cursos sobre cinema com renomado roteiristas e diretores como Edward Dmytryk e Herbert Biberman. Quando voltou ao Brasil, em 1948, desenvolveu intensa atividade em relação ao cinema, como o projeto da revista Filme, além de colaboração em jornais e um programa semanal de cinema na rádio MEC. Ao se mudar para São Paulo, já como militante comunista, conheceu outros personagens envolvidos com o cinema e com a revista Fundamentos, como os também comunistas Carlos Ortiz, Geraldo Santos Pereira, Roberto Santos, Nelson Pereira dos Santos. Foi um dos articuladores do I Congresso Paulista de Cinema e do I e II Congresso Nacional do Cinema Brasileiro.[37]

Quando voltou ao Rio de Janeiro, em 1952, dirigiu o icônico filme, o longa metragem Agulha no Palheiro (cujo assistente de direção foi Nelson Pereira dos Santos). Esse filme, ao retratar um drama urbano com o cotidiano e a simplicidade do povo, é considerado um dos percussores do cinema novo. Posteriormente, dirigiu Rua Sem Sol e foi diretor de produção de O Saci, de Rodolfo Nanni e de Balança Mais Não Cai, de Paulo Vanderley. Dirigiu em 1955 Ana, uma história de Jorge Amado para o episódio A Rosa dos Ventos produzido pela Alemanha Oriental. Com a emergência do cinema novo, Viany encontrava-se umbilicalmente ligado ao movimento e nessa época dirigiu o longa metragem Sol Sobre a Lama. Já em 1974, dirigiu outro longa metragem A Máquina e o Sonho, além de vários curtas.[38] 

Profundamente ligado ao cinema, Viany escreveu o clássico e pioneiro livro Introdução ao Cinema Brasileiro, hoje material obrigatório em todas as escolas de cinema do Brasil. Atuou também como educador, influenciando várias gerações de cineastas e críticos brasileiros e desempenhou um papel central na transição do cinema brasileiro para uma fase mais madura, consciente, crítica e autenticamente nacional. Pode-se dizer tranquilamente que Alex Viany ajudou a criar as bases de um cinema brasileiro que fosse verdadeiramente nacional em sua forma e conteúdo. Morreu em 1992 e deixou um grande arquivo, hoje depositado no Museu da Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Postumamente, os amigos organizaram um livro, O Processo do Cinema Novo, que reúne artigos e entrevistas que Viany realizou com os principais diretores do cinema brasileiro.

Nelson Pereira dos Santos

Em termos de construção de uma nova geração de cineastas, com um estilo novo de fazer cinema, os militantes do PCB nessa área deram uma enorme contribuição para o que é o cinema brasileiro hoje, tanto em termos dos filmes propriamente ditos quanto na crítica cinematográfica, nos argumentos, roteiros, fotografia e formulação teórica. Entre os cineastas pioneiros, que depois se tornariam ícones do cinema novo, está Nelson Pereira dos Santos, militante comunista desde os 15 anos, quando ainda era secundarista. Ele começou sua carreira quando o cinema brasileiro estava em busca de uma identidade própria. Estreou no cinema em 1950 com os documentários Atividades Políticas em São Paulo e Juventude, este último destinado a participar do Festival Mundial da Juventude, na Alemanha Oriental, cujo negativo está perdido até hoje, e um ano depois escreveu na revista Fundamentos, o que viria a ser o mote do cinema novo, uma arte que refletisse “na tela a vida, as histórias, as lutas e as aspirações do povo brasileiro”.[39] 

Mas o que efetivamente marcou uma virada no cinema brasileiro foi o seu longa metragem Rio, 40º. Graus, feito em regime de cooperativa e condições monetárias precárias e com a câmera emprestada[40],  filme que se tornaria um marco na história do cinema brasileiro. Filmado com baixo orçamento e utilizando também atores não profissionais, o filme capturou a vida nas favelas do Rio de Janeiro com uma realidade que era rara no cinema brasileiro e estabeleceu as bases para o cinema novo. Mesmo considerado “a mais humana e a mais brasileira das películas realizadas em nossa terra”,[41] o filme foi proibido pelas autoridades policiais, que consideraram ser o filme depreciativo, pois apresentava muita miséria e a imagem negativa do Brasil, o que gerou uma onda de solidariedade em todo o País e terminou sendo aclamado como revolucionário por sua inovação estética e compromisso social com o povo brasileiro.

Nelson Pereira dos Santos, ao longo de sua carreira, fez dezenas de documentário e filmes clássicos, entre os quais, Memórias do Cárcere, Boca de Ouro, Amuleto de Ogum, Tenda dos Milagres, Como Era Gostoso o Meu Francês, mas sua obra prima é considerada Vidas Secas, baseada no romance do também comunista Graciliano Ramos. O filme ficou conhecido por expor a dureza da vida no sertão nordestino, lidando com a seca e a pobreza, mas com uma abordagem humanista que dá dignidade aos personagens. Esse é considerado um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Além de diretor, Nelson Pereira dos Santos influenciou a produção cinematográfica brasileira e sua obra transcendeu as fronteiras brasileiras, influenciando ainda cineastas em várias partes do mundo.

Outros cineastas comunistas da década de 50

Carlos Ortiz, um pioneiro

Primeiro presidente da histórica Associação Paulista de Cinema (APC) e um dos organizadores dos principais congressos do cinema brasileiro, o militante comunista Carlos Ortiz também foi responsável pela formação de vários cineastas e técnicos no curso do Seminário do Cinema, no Museu da Arte de São Paulo. Além de crítico cinematográfico e de defensor da construção de um cinema nacional, Ortiz escreveu vários livros sobre o cinema, como Cartilha do Cinema, Argumento cinematográfico e sua técnica, Dicionário do cinema brasileiro, Montagem na arte do filme, O roteiro e sua técnica e, especialmente, a primeira tentativa de contar a história do cinema – O romance do gato preto: breve história do cinema. 

Foi crítico de cinema na Folha da Manhã, Notícias de Hoje e Fundamentos. Além disso, Carlos Ortiz dirigiu dois filmes: Alameda da Saudade 113; e Luzes nas Sombras.[42] Ortiz emergiu em um momento em que o cinema brasileiro passava por intensas transformações, tanto estéticas quanto políticas, o que permitiu que ele se colocasse no centro das discussões sobre o papel do cinema como instrumento de mudança e influenciasse várias gerações de cineastas. Como homenagem ao conjunto de sua obra, a Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo reuniu o conjunto de seus trabalhos, entre críticas, entrevistas e roteiro no livro intitulado Carlos Ortiz e o Cinema Brasileiro da Década de 50.

Geraldo Santos Pereira, teoria e prática do cinema

Geraldo Santos Pereira, militante do PCB, foi um cineasta que atuou no Brasil num período de grandes transformações e desafios para o cinema nacional. Ficou conhecido tanto por sua obra cinematográfica quanto por seus escritos sobre a história do cinema. Escreveu Ciranda Barroca, história para o cinema e o clássico Plano Geral do Cinema Brasileiro, uma visão abrangente das diversas fases do cinema brasileiro, analisando tanto os aspectos técnicos, quanto estéticos, além de questões de legislação, produção e distribuição. Utilizou sua experiência como diretor para proporcionar uma análise detalhada das dificuldades e conquistas da indústria cinematográfica no Brasil.

Além de oferecer um importante registro da evolução do cinema brasileiro, destacando a importância de se criar uma indústria nacional que dialogasse com a cultura e a sociedade brasileira, Pereira também foi crítico cinematográfico e dirigiu uma série de filmes tais como Rebelião em Vila, com seu irmão Renato Pereira, Grande Sertão, Balada dos Infiéis, Aleijadinho, Paixão e Glória, O Sol dos Amantes, entre outros. Essa dimensão de Geraldo Santos Pereira consolidou seu trabalho não apenas como realizador de filmes, mas também como um intelectual engajado, com uma reflexão profunda sobre a arte do cinema e seu papel na sociedade brasileira.

Salomão Scliar, artista multifuncional

O gaúcho Salomão Scliar, também militante do PCB, fez praticamente de tudo na arte da cultura e principalmente no cinema, foi cineasta, roteirista, fotógrafo de cinema e de revista e jornal, produtor musical, editor de mais e 10 livros, desde artes plástica, futebol, documentos históricos. Trabalhou como fotógrafo na revista do Globo e Realidade, produziu dois LPs, um de capoeira e outro de candomblé. Uma das músicas desse último disco foi utilizada no filme Terra em Transe de Glauber Rocha, e Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, muito embora não creditada pelos dois cineastas.[43]

Salomão Scliar entrou para a Atlântida em 1943, sendo assistente de Moleque Tião, Tristezas Não Pagam Dívidas, e  É proibido sonhar, muito embora também não creditado.[44] Em 1951 lança Vento Norte, um filme sobre os trabalhadores do mar. Depois dirige em Porto Alegre dois documentários: Esperança das multidões, sobre o II Congresso Gaúcho da Paz e Congresso, sobre o IV Congresso Brasileiro dos Escritores. Em 1956 dirige outro documentário, Bolívia e, em 1957, dirige e fotografa Verdes mares bravios sobre o porto dos jangadeiros em Fortaleza. Em 1958 dirige outro filme O jangadeiro e seu último filme é História de um povo – A formação do Paraná. 

Rodolfo Nanni e o cinema infantil.

Nanni estudou na França e militou no Partido Comunista Francês antes de se ligar ao PCB. Também foi um dos fundadores da histórica Associação Paulista de Cinema e roteirizou e dirigiu O Saci, a partir da obra de Monteiro Lobato, premiado filme de estreia e considerado o primeiro filme infantil brasileiro, no qual Nelson Pereira dos Santos trabalhou como assistente e Alex Viany como diretor de produção. Em 1958 dirigiu Drama das Secas, documentário patrocinado pela Associação Mundial de Luta Contra a Fome. Sobre esse filme Nanni diz que os recursos foram conseguidos através de Josué de Castro: “Não perdi tempo. Com o dinheiro comprei umas latas de negativo 35 mm ... uma câmera e convidei o Ruy Santos e o José Canizares para a aventura ... O resultado da viagem acabou se transformando no documentário Drama das Secas”.[45] 

Nanni fez posteriormente outros filmes como o documentário Cordélia, Cordélia, Finlândia, País Quente e nos anos 80 A Travessia. Nanni voltou ao Nordeste em 2008 e realizou o longa metragem O Retorno, onde refaz a trajetória do seu documentário anterior 50 anos depois. Produziu ainda uma série de documentários sobre São Paulo, como Avenida Paulista, São Paulo Centro e Bela Vista e Percurso da Arte Moderna Brasileira – Tarsila do Amaral, além de filmes para a TV Cultura. Nanni também foi fundador e professor do curso de cinema da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado.

Roberto Santos, cineasta angustiado

Roberto Santos, apesar de ter militado por pouco tempo no PCB, teve grande parte de sua filmografia influenciada pelas ideias do Partido. Ele se interessou pelo cinema em 1952, quando cursou o Seminário de Cinema e logo depois quando participou do II Congresso do Cinema Nacional e sua estreia na área foi como assistente de direção de Nelson Pereira dos Santos em Rio 40º. Graus. Seu primeiro filme foi O Grande Momento, em 1957, protagonizado por Gianfrancesco Guarnieri, outro comunista. Com a emergência do cinema novo, fez o seu clássico filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga, adaptação do livro Sagarana, de Guimarães Rosa. Santos, ao longo de sua carreira, dirigiu 11 longa metragens e 18 curtas, além de documentário para a TV.

Além de cineasta, Roberto Santos foi professor da Escola de Comunicações e Artes. “Nos últimos anos, angustiado com a desumanização do homem pela técnica e pelo mercado, assumiu, na vida ... uma atitude quase quixotesca. Uma imagem eloquente e definitiva dessa sua postura saiu na primeira página dos principais jornais: ao ver que a Prefeitura derrubava uma velha tipuana em frente à sua casa, na Bela Vista, subiu na árvore e ficou lá, para impedir a derrubada.”[46] Morreu de infarto no aeroporto de Congonhas quando voltava do Festival de Gramado, onde competiu com o filme Quincas Borba.

Galileu Garcia e o Cara de fogo

Galileu Garcia, também militante comunista, teve uma longa trajetória no cinema brasileiro como jornalista, produtor, assistente de direção, diretor e crítico de cinema. Começou atuando no setor de publicidade da Vera Cruz, foi assistente de direção de Lima Barreto no filme O Cangaceiro e outros filmes da Vera Cruz, além de ter roteirizado  As Aventuras de Malasartes, de Mazzaropi e escreveu o livro Mazzaropi, o caipira mais caipira do Brasil. Como cineasta, foi diretor de Cara de Fogo, baseado no livro A carantonha, de Afonso Schmidt, que ganhou vários prêmios e participou do Festival Internacional do Cinema de Moscou. Antes de morrer, Galileu Garcia fez o longa metragem em homenagem a Lima Barreto, diretor do premiadíssimo filme O Cangaceiro. Esse filme se chama LB (Lima Barreto, EC) Persona e significou não só a volta de Galileu Garcia ao cinema, mas também uma homenagem a um clássico do cinema brasileiro e ao seu diretor, cujo filme foi premiado em Cannes.

 

O PCB e o cinema brasileiro (3)

Edmilson Costa

A explosão revolucionária dos anos 60

Para compreendermos o sentido revolucionário do Cinema Novo é importante atentarmos para a efervescência cultural da época, particularmente a primeira metade da década de 60 do século passado. A sociedade brasileira viveu, nesse período, o momento de maior politização, mobilização social e, ao mesmo tempo, a maior polarização com as forças conservadoras. Estava em jogo nessa época dois projetos radicalmente divergentes: as reformas de base, um conjunto de iniciativas que buscavam favorecer as classes populares, mediante reformas estruturais que levariam à construção de uma economia próspera com distribuição de renda; e o projeto conservador, ligado aos interesses das classes dominantes brasileiras e do imperialismo. Foi um período particularmente ativo para os trabalhadores da cidade, além dos camponeses, dos estudantes, e dos intelectuais que reivindicavam a construção de um novo País.[47] 

O Brasil vivia ainda uma conjuntura marcada pela efervescência cultural e pelo desejo de mudanças, pela denúncia das contradições sociais que a industrialização dos anos 50 não conseguiu resolver. Nas cidades, o movimento sindical realizava grandes manifestações em defesa das reformas de base, o movimento estudantil lutava pelas reformas universitárias e por mais vagas para os estudantes, as Ligas Camponesas reivindicavam a reforma agrária e os intelectuais e artistas passaram a questionar os padrões artísticos tradicionais e reivindicar novas formas de expressão ligadas à realidade brasileira. Mesmo entre áreas militares existiam vários setores que reivindicavam o nacionalismo e também contestavam as relações de subserviência com os Estados Unidos.

Nesse contexto do Brasil dos anos 60 o Partido Comunista Brasileiro exercia uma forte influência entre intelectuais, artistas e trabalhadores da cultura e o cinema tornou-se uma das expressões mais férteis para a construção de uma arte com perspectiva crítica e engajada buscando exprimir a realidade brasileira. Os intelectuais e artistas ligados ao PCB defendiam a necessidade de uma arte que expressasse as lutas do povo, as desigualdades sociais e a perspectiva da revolução brasileira. Foi nessa conjuntura em que se preparou o terreno para a emergência do Cinema Novo como um movimento de ruptura, reflexivo e engajado, disposto a expressar o Brasil real em sua plenitude, sem filtros ou adornos, e que via no cinema a possibilidade de conscientizar a população, engajar o público na discussão sobre os problemas do País na perspectiva das transformações sociais e políticas.

Entre as organizações mais icônicas influenciadas pelo PCB destacava-se o Centro Popular de Cultua (CPC), da União Nacional dos Estudantes. O CPC representou um dos movimentos mais audaciosos e expressivos da primeira metade dos anos 60, um coletivo que reunia intelectuais e artistas em geral com o objetivo de usar a arte como ferramenta de conscientização popular e transformação social. Em uma época de forte polarização social e política, o CPC estava na linha de frente cultural em busca de uma identidade mais engajada e politizada, inserida nas lutas populares. O CPC tinha uma abordagem que envolvia, teatro, cinema, música, literatura, artes visuais e buscava romper com os modelos estéticos e ideológicos tradicionais. Também foi um dos incubadores do cinema novo, não só lançando filmes como Cinco Vezes favela, uma antologia de curtas metragens, dirigidas por cineastas do cinema novo, que retratava a vida nas favelas e abordava temas como a exploração, a pobreza e a luta pela dignidade humana, bem como atuava em todas as áreas da cultura junto às classes populares através da UNE Volante. Infelizmente, o golpe militar fechou o CPC impedindo, através das armas, que pudesse expressar toda sua potencialidade.

Foi nesse caldeirão cultural que o Cinema Novo emergiu como força revolucionária em termos de estética, linguagem e concepção cinematográfica, o que marcou uma erupção criativa sem precedentes na história do audiovisual brasileiro. A relação entre forma e conteúdo tornou-se inseparável: a improvisação, a linguagem cinematográfica não linear, a montagem ousada, os enquadramentos inovadores, tudo isso servia para marcar o desejo de ruptura com o cinema de estúdio. O Cinema Novo não se limitava apenas a lançar um olhar sobre a realidade brasileira e a conscientização da população, mas buscava uma transformação total na forma de fazer cinema, onde a experimentação visual se fundia com uma poética revolucionária. Os cineastas do Cinema Novo não faziam uma arte apenas para entreter ou imitar o cinema da Europa e dos Estados Unidos: eles buscavam provocar, tornar visíveis as injustiças estruturais da sociedade brasileira, questionavam uma visão idílica que apresentava uma ilusão de modernidade no Brasil enquanto a maioria da população vivia na marginalidade social.

A revolução do cinema novo buscava revolucionar não apenas a estética e a linguagem cinematográfica, mas também englobava uma transformação na produção e na distribuição dos filmes. Como cinema de autor, a arte do Cinema Novo passou a ser feita com baixos orçamentos, fora dos estúdios, pescando na própria realidade os elementos da cena cinematográfica e muitas vezes tendo as pessoas da própria região como atores, o que significava apostar em uma produção independente e barata. A precariedade tornou-se a marca identitária do movimento (“a estética da fome” como dia Glauber Rocha), simbolizando a resistência e a criatividade. Essa revolução cinematográfica, estética e ideológica, não só inspirou várias gerações de cineastas como atravessou fronteiras inspirando também movimento semelhantes na América Latina, como o Novo Cine Latinoamericano e chegou mesmo a dialogar com a contracultura nos Estados Unidos e na Europa. 

Como destaca Glauber Rocha, no manifesto Estética da Fome: “O cinema novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para comer, personagens fingindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi essa galeria de famintos que identificou o cinema novo com o miserabilismo ... Esse miserabilismo opõe-se à tendência do digestivo ... filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em automóveis de luxo; filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagem e de objetivos puramente industriais. Esses são filmes que se opõem à fome como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de uma burguesia indefinida e frágil ou se mesmo os próprios materiais técnicos e cinematográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na própria civilização. Como se, sobretudo, nesse aparato de paisagens tropicais pudesse ser disfarçada a indigência mental dos cineastas que fazem esse tipo de filme”.[48]

Para Nelson Pereira dos Santos, o cinema novo representou a afirmação cultural do cinema brasileiro e transformou e deu ao cinema a categoria de expressão da cultura brasileira. “Esse é, aliás, o segundo movimento do qual participo: o primeiro, que iniciamos na década de 50, foi um movimento de crítica à situação objetiva de nosso cinema, à dependência do mercado brasileiro à importação indiscriminada do produto estrangeiro, à dependência do diretor brasileiro à mentalidade cinematográfica imperante em Hollywood e outros centros de produção”.[49] Ou, como disse em outra entrevista: “O cinema novo representou a descolonização do cinema como o que tinha acontecido antes com a literatura”.[50]

As fases do cinema novo

Não há concordância em relação às diversas fases do cinema novo. Alguns historiadores dividem sua trajetória em três fases outros em duas.  Nós entendemos que o cinema novo, enquanto movimento, está dividido em duas fases: a primeira que vai de 1960 a 1964 e a segunda de 1964 até o final de 1968, quando a ditadura impõe o AI-5, período a partir do qual o movimento deixa de atuar organizadamente, uma vez que cada um dos seus participantes tomou rumos diferentes. A partir do recrudescimento da ditadura, tornara-se cada vez mais difícil fazer o mesmo tipo de cinema no Brasil em consequência da censura. Alguns cineastas, como Glauber Rocha, partiram para o exílio, em função da repressão, enquanto outros, para burlar a censura, começaram a fazer filmes mais alegóricos. A partir daí não se pode falar em movimento organizado do cinema novo como na década de 60.

Nosso objetivo nesse ensaio não é fazer uma retrospectiva exaustiva dos filmes do cinema novo, mas apenas apontar aqueles que julgamos mais significativos do período e, principalmente, enfatizar o papel dos comunistas e simpatizantes que atuaram nesse movimento sob a orientação política e ideológica do PCB. Nesse sentido, vamos ordenar cronologicamente os principais filmes do cinema novo nas duas fases, nomeando os seus diretores e levando em conta a repercussão que os filmes obtiveram tanto do ponto de vista nacional quanto internacional, e depois faremos um indicativo dos cineastas ligados organicamente, simpatizantes ou influenciados pelo Partido na área do cinema nesse período, que é o objetivo principal desse texto.

Os primeiros quatro anos da década de 60 podem ser considerados o período heroico de construção do cinema novo, aquele momento em que esta arte cinematográfica brasileira vai velejar por mares nunca dantes navegados, não apenas pelo vigor criativo dos jovens cineastas, mas especialmente pelo papel transformador que desempenhou na cultura cinematográfica brasileira. A sensibilidade crítica e revolucionária desse período, com seu desejo de inovar e criar uma nova linguagem cinematográfica, marcou o cinema novo como uma vanguarda cultural alinhada com a realidade brasileira e o processo de transformação social. Um dado importante desse período é seu caráter coletivo e espírito de colaboração entre todos que compunham o movimento, o que permitiu ampliar o alcance do cinema novo, como uma arte de caráter popular em contraposição ao cinema tradicional

A primeira fase

Como afirmamos anteriormente, o cinema novo foi precedido de alguns filmes que começaram a mudar a conjuntura do cinema brasileiro, tais como Agulha no Palheiro, de Alex Viany (1953); Rio 40º. Graus; de Nelson Pereira dos Santos, este considerado o mais icônico do período, Rio Zona Norte (1958) do mesmo Nelson Pereira dos Santos; O Grande Momento (1958), de Roberto Santos; e o curta metragem Arraial do Cabo, de Paulo Cesar Saraceni (recém-chegado da Itália após um ano e meio trabalhando com jovens realizadores daquele País) e Mario Carneiro, em 1959, sobre uma vila de pescadores (quatro vezes premiado em festivais estrangeiros), e Aruanda, também um curta, de Lindauro Noronha, de 1960 e Pátio, filme experimental de Glauber Rocha. Esses filmes, aliado aos debates e congressos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, na primeira metade dos anos 50, constituiu-se o lastro a partir do qual surgiram as condições políticas e estéticas para o surgimento do cinema novo.

Em 1961, Nelson Pereira dos Santos lança Mandacaru Vermelho, um filme que conta a história de um romance proibido entre um vaqueiro camponês e uma mocinha. Também nesse mesmo ano Glauber Rocha lança Barravento, seu primeiro longa-metragem, que retrata uma aldeia de pescadores do litoral da Bahia e as tensões entre as estruturas religiosas e o desejo de emancipação humana; ainda em 1961 são lançados dois filmes, Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, e a Grande Feira, de Roberto Pires, ambos focalizando a realidade de Salvador, na Bahia.[51] Em 1962, Rui Guerra lança Os Cafajestes, uma história de dois jovens de Copacabana que tramam um golpe para conseguir dinheiro através da chantagem.

Mas o filme de 1962, considerado uma das obras fundamentais do Cinema Novo, foi Cinco Vezes Favela, uma produção do Centro Popular de Cultura da UNE, com música, entre outros de Carlos Lyra e Geraldo Vandré. O filme é dirigido em cinco episódios: Um Favelado, dirigido por Marcos Faria; Zé da Cachorra, direção de Miguel Borges; Couro de Gato, direção de Joaquim Pedro de Andrade; Escola de Samba, Alegria de Viver, direção de Carlos Diegues; e Pedreira de São Diogo, direção de Leon Hirszman. Composto por histórias cômicas e trágicas, com a participação de jovens moradores das favelas, o filme conta a história do cotidiano dessas comunidades, buscando fugir dos estereótipos que costumam apresentar as favelas como locais de violência. Ainda em 1962, Paulo Cesar Saraceni lança Porto das Caixas, baseado em argumento do escritor Lucio Cardoso. Mesmo não pertencendo especificamente ao cinema novo, em 1962, Anselmo Duarte lançou O Pagador de Promessas, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, e Roberto Farias dirige Assalto ao Trem Pagador.

Em 1963, o cinema novo amplia seu universo de bons filmes, com Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance de Graciliano Ramos; Ganga Zumba, de Carlos Diegues, baseado no romance de João Felício dos Santos; Sol Sobre a Lama, de Alex Viany, sobre uma comunidade pobre baiana que resiste à destruição da feira de Água de Meninos; Garrincha, Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de Andrade, sobre a vida e os feitos no futebol do “demônio das pernas tortas”;  Canalha em Crise, de Miguel Borges, interditado pela censura. Ainda em 1963, Ruy Guerra lança Os Fuzis, que retrata um grupo de soldados que é enviado para reprimir a população faminta na Bahia visando impedir que esta saqueie um armazém de alimentos.

Em 1964 Leon Hirszman lança o curta Maioria Absoluta, que retrata o cotidiano dos trabalhadores rurais analfabetos do Nordeste; Eduardo Coutinho inicia as filmagens de Cabra Marcado Para Morrer, mas interrompe as filmagens com o golpe militar e só retoma muitos anos depois; e Paulo Gil Soares dirige Memórias do Cangaço, sobre a saga dos cangaceiros nordestinos; e Glauber Rocha lança seu revolucionário filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, que conta a história de um vaqueiro que se revolta contra a exploração e mata o coronel numa briga e vai perseguido pelos jagunços e depois se junta a um beato que promete o fim do sofrimento humano através da volta à religião mística. Ao final, um matador de aluguel a serviço das forças conservadoras extermina os seguidores do beato. Esse é um dos melhores e mais icônicos filmes do Cinema Novo.

A segunda fase

A segunda fase ocorre a partir do golpe militar que colocou o País numa ditadura que durou 21 anos, num ambiente de constante repressão, mas também de resistência cultural contra o regime opressor. Nessa fase, os cineastas do cinema novo podem ser caracterizados pela ampliação das temáticas e pelo aprofundamento da linguagem cinematográfica diante do contexto político da época, o que os levou a refletir sobre a violência, o autoritarismo, a resistência, mesmo que codificada, e os dilemas sobre o papel da arte cinematográfica. Foi um período difícil, mas muito criativo, em que o movimento amadurece, desafiando a censura, se posicionando contra a alienação e a repressão política e abordando temas do universo urbano. O cinema novo desse período foi também uma resposta estética e ideológica à opressão do regime militar, consolidando o cinema como uma ferramenta de expressão e resistência, e marcando profundamente a história cultural do Brasil.

Em 1965, os membros do cinema novo criaram a produtora e distribuidora Difilm, com objetivo de resolver os problemas de distribuição de suas obras cinematográficas. Um dos primeiros filmes a abordar os problemas e conflitos dos os cineastas do Cinema Novo e a ditadura foi O Desafio, de Paulo César Saraceni, “um diálogo entre o pensamento, as coisas concretas, o autor e o mundo ... um canto rebelde e majestoso, segundo Rogerio Sganzerla.[52] Ainda em 1965 é lançado São Paulo S/A, um drama urbano de Luís Sergio Person; Menino de Engenho, de Walter Lima Junior, adaptação do romance de José Lins do Rego; A Falecida, de Leon Hirszman a partir de uma peça teatral de Nelson Rodrigues.  Também de 1965 é lançado o icônico documentário Viramundo, de Geraldo Sarno, sobre os migrantes do Nordeste que vem trabalhar nas grandes fábricas de São Paulo.

Em 1966, Joaquim Pedro de Andrade lança O Padre e a Moça, a partir de um texto de Carlos Drumond de Andrade; Carlos Diegues dirige A Grande Cidade, uma crônica urbana sobre o Rio de Janeiro. Um ano depois, Roberto Santos lança A Hora e a Vez de Augusto Matraga, baseado num conto de Guimarães Rosa; Glauber Rocha dirige Terra em Transe; e Paulo Gil Soares lança Proezas do Satanás na Vila do Leva-e-Traz e conta a história de um pequeno vilarejo do Nordeste, onde alguém descobre petróleo na região e há uma debandada da população para o local, com trilha sonora de Caetano Veloso; e Leon Hirszman dirige Garota de Ipanema, sobre o mito e as angústias de uma jovem da Zona Sul do Rio de Janeiro.

O último ano em que se pode falar de um grupo organizado e com objetivos comuns é 1968, porque a partir do final do ano, com o AI-5, as condições políticas do País são mudadas drasticamente, com censura e repressão, inviabilizando os movimentos organizados de contestação, mesmo na área da cultura. Um dos filmes desse período é O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahl, sobre os dilemas de um jovem deputado radical que troca de partido buscando uma saída política pragmática, mas ao final sente a frustração por não poder ajudar os trabalhadores. Depois, Glauber Rocha lança O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, um filme que mistura temas sociais e políticos com religião, cordel, ópera e ritos folclóricos nordestinos; e Maurício Capovilla, lança Bebel a Garota Propaganda, baseado no romance de Luís Inacio de Loyola Brandão.

A partir daí, os cineastas desse movimento buscaram caminhos diversos tanto em termos da estética quanto da linguagem, ressaltando-se que em 1969 o governo militar criou a Embrafilme, buscando controlar a produção cinematográfica brasileira. A ditadura alterou a trajetória de vários diretores do cinema novo, forçando-os a buscar novas abordagens e linguagens, além de outras formas de expressão. Esse movimento de dispersão, em termos práticos, significou que aquela coesão que existia no período anterior não poderia ser mais exercida com o autoritarismo. Ou seja, o AI-5 significou um ponto de inflexão que obrigou cada um a procurar o seu próprio caminho, em função dos limites à liberdade de criação.

Em 1969 Joaquim Pedro de Andrade lança Macunaíma, uma alegoria tropicalista baseada no livro de Mario de Andrade; Walter Lima Junior dirige Brasil ano 2000, sobre uma família de imigrantes que fica diante do dilema de se integrar ou permanecer com sua cultura; Maurício Capovilla lança O Profeta da Fome, sobre as aventuras de um faquir que trabalha em um circo decadente e faz mil peripécias para sobreviver e Vladimir Carvalho lança O País de São Saruê. Posteriormente, Nelson Pereira dos Santos dirige o filme Como Era Gostoso o Meu Francês,  Amuleto de Ogum e Memorias do Cárcere, Leon Hirszman dirige São Bernardo e depois Eles Não Usam Black Tie, Carlos Diegues, Xica da Silva e By By Brasil, e novos diretores, como João Batista de Andrade, lança Doramundo e depois O Homem Que Virou Suco; Hector Babenco com O Beijo da Mulher Aranha; Sergio Rezende, com Lamarca; Bruno Barreto com Que é Isso Companheiro. Mais recentemente tivemos filmes importantes como Tropa de Elite, de José Padilha; Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Central do Brasil, de Walter Salles e agora Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, culminando uma trajetória onde o cinema brasileiro consolida o reconhecimento internacional.

Como se pode observar, após o recrudescimento da repressão no Brasil, que atingiu profundamente todas as áreas da cultura, o cinema brasileiro demonstra um mosaico de diferentes formas, temas e estilos e muitos filmes nacionais obtiveram reconhecimento internacional, alguns até indicados para o Oscar. Isso significa que o caminho construído por todos aqueles que desde os anos 40 buscaram construir um cinema com características brasileiras deram frutos e o cinema nacional hoje se afirma como uma arte que busca capturar a complexidade de um Brasil em constante transformação, com um cinema também buscando captar com novos olhares e novos estilos a realidade brasileira.  

 Os comunistas e o cinema novo

O Partido Comunista Brasileiro exerceu uma influência cultural determinante na década de 60, especialmente na primeira metade da década e particularmente no cinema. Nesse período amplos setores da intelectualidade brasileira estavam alinhados com as ideias progressistas e de esquerda. Isso porque, nessa época, o País estava envolvido num processo de busca de mudanças estruturais da sociedade, tanto do ponto de social quanto político. Vivia-se uma efervescência política e cultural e buscava-se refletir sobre a realidade brasileira na busca de transformação da sociedade. Nessa perspectiva, o PCB, através de sua militância na área cultural e do prestígio político junto à intelectualidade, era uma força política aglutinadora que inspirava artistas e cineastas a repensarem a função social da arte, bem como de suas práticas culturais visando contribuir de maneira prática com o grande movimento progressista que lutava pelas reformas da base.

No que se refere especificamente ao cinema, um dos pilares do esforço do PCB junto aos jovens cineastas era aproximar a arte cinematográfica das massas, promovendo ações e narrativas para a construção de um cinema engajado e atento aos problemas do País, como já vinha fazendo embrionariamente desde meados da década de 40. Cineastas, roteiristas e críticos que gravitavam em torno do PCB defendiam que o cinema deveria ser uma ferramenta de conscientização das massas populares e de transformações sociais. Isso porque um cinema com essa tarefa formava um elo entre o público e os novos cineastas, criando assim uma cultura cinematográfica que, além de promover o debate e a conscientização, abria a perspectiva de contribuir para as transformações sociais no Brasil.

Um dos instrumentos em que a influência do PCB se tornou mais visível foi a formação do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e o movimento de cineclubismo que se espalhou por vários Estados do Brasil. “A UNE Volante semeou 12 filhotes do CPC nos quatro cantos do País”.[53] Dirigidos por militantes do PCB nas várias áreas culturais e também no cinema, o CPC defendia a ideia de que a cultura deveria ser um campo de batalha ideológico, onde as classes populares poderiam ser conscientizadas e mobilizadas para a luta contra as classes dominantes, o latifúndio e o imperialismo na perspectiva da construção de uma nova sociedade. Para tanto, era fundamental a valorização da cultura popular como forma de resistência e identidade nacional que estivesse em sintonia com as lutas populares. Nesse sentido, os artistas e cineastas do PCB desenvolveram um intenso trabalho através da UNE Volante, que incluía teatro de rua, cinema militante, publicação de livros, promoção de cursos, debates e oficinas culturais, tudo isso com o objetivo de construir uma arte nacional e popular e formar uma nova consciência política.

Como define de maneira clara o Relatório do CPC da UNE de setembro de 1963, apresentado no I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular: “O CPC atua com o proletariado, com a intelectualidade e com a área estudantil ... objetivando atingir as mais amplas massas. A tomada de consciência, por parte de artistas e intelectuais, da necessidade de se organizarem para atuar de forma mais eficaz e, consequentemente, na luta ideológica que se trava no seio da sociedade brasileira, levou-os a criar o Centro Popular de Cultura. Partindo dessa tomada de consciência o CPC se propõe, desde o seu nascimento, a levar a arte e a cultura ao povo, lançando mão de formas de comunicação de comprovada acessibilidade junto à grande massa e aprofundar nos demais níveis da arte e da cultura o conhecimento e a expressão da realidade brasileira. Não é propósito do CPC popularizar a cultura vigente, mas sim, através da arte e da informação, despertar a consciência política do povo”[54] 

Nesse período também se espalhou pelo País o movimento cineclubista, que já vinha sendo realizado desde a década de 50 pelos militantes do PCB e cujo maior destaque foi o Cine Clube da Bahia, dirigido pelo comunista Walter da Silveira. No Rio de Janeiro participavam do movimento de cineclubes Leon Hirszman, Oduvaldo Viana Filho, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Os cineclubes eram espaços de resistência e debates sobre o cinema. Os filmes apresentados geravam debates com a plateia e, além disso, contribuíam para criar um público crítico, que passava a enxergar o cinema não apenas como entretenimento, mas como ferramenta de educação popular, além de incentivar a formação dos jovens cineastas, que depois se transformaram em grandes diretores com a emergência do Cinema Novo. Em outros Estados o movimento cineclubista também se desenvolveu com grande expressividade, ampliando assim o alcance do cinema brasleiro.

Como se pode constatar, o PCB foi parte integrante da construção da história do cinema brasileiro, desde os anos 30 e teve papel fundamental na crítica, na formação, na divulgação, na produção cinematográfica e, especialmente, através de sua militância, na construção do cinema novo, apesar das tentativas de certos setores, tanto os reacionários quanto os pós-modernos fantasiados de esquerda, que sempre buscaram invisibilizar o papel do Partido no cinema brasileiro e, especialmente, na emergência do cinema novo. Nessa parte do ensaio vamos destacar os nomes dos militantes orgânicos do Partido que atuaram na área do cinema, bem como daqueles que foram simpatizantes e trabalharam sob a influência política do PCB.

Leon Hirszman, o guru do cinema novo

Carioca, Leon Hirszman, ao lado de Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, teve uma contribuição fundamental para o CPC, tanto por seu papel agregador dos jovens cineastas da época, mas também por sua extensa obra. Comunista desde os 14 anos, Hirszman era uma espécie de líder entre os diretores cinematográficos que se juntaram no CPC e no Cinema Novo, como diz Nelson Pereira dos Santos: “O Leon era o dínamo da coisa. Ele tinha realmente a grande formação ... (Era) o militante político mais influente ... O meu guru era o Leon para qualquer questão política, mesmo geral. Votar em quem, Leon? Qual é o prefeito, qual o deputado”?[55]. Hirszman contribuiu para definir o cinema novo como uma escola de pensamento cinematográfico, que buscava não só romper com o cinema tradicional, mas principalmente criar uma linguagem cinematográfica enraizada na realidade brasileira e que pudesse contribuir para as transformações sociais.

Outros cineastas também corroboram a influência de Hirszman na produção e articulação do Cinema Novo, como diz Cacá Diegues: “ Cinema Novo deve a sua ideia fundamental a Nelson Pereira dos Santos, a sua utopia a Glauber Rocha, mas a sua articulação ao Leon. Foi ele quem articulou o Cinema Novo e quem não deixou o Cinema Novo acabar mais cedo.  O Leon foi o maior articulador que o cinema brasileiro já fez ... E o prestigiado cineasta italiano, Bernardo Bertolucci, acrescenta:  Leon é daqueles casos bastante raros no qual é impossível separar o artista do homem. Porque, de um lado, ele falava de uma maneira tão visionária, tão politicamente avançada, era transgressivo, único. E tudo isso ia se fundir depois com aquele diretor, aquele artista que fazia filmes igualmente visionários e transgressores, exatamente como era o homem”.[56]

O Cinema de Hirszman sempre foi profundamente engajado, com uma sensibilidade poética e uma linguagem inovadora. Ele utilizava o cinema como uma ferramenta para denunciar as desigualdades e contradições da sociedade brasileira, com uma habilidade de capturar a realidade e um olhar atento para os aspectos humanos das histórias que contava ou documentava. Nos seus filmes descreve o desespero e a brutalidade da vida da população pobre, as lutas e os dilemas dos trabalhadores, a greve como instrumento de mudanças sociais, os desafios sociais enfrentados pelo Brasil, além de explorar os mitos da juventude da zona Sul do Rio de Janeiro. Sua obra continua a ser estudada e admirada em todas as escolas de cinema do País, como um dos momentos mais ricos do cinema brasileiro.

Entre suas principais contribuições ao cinema estão, entre outros, o documentário Pedreira de São Diogo, do filme Cinco Vezes Favela do CPC; Maioria Absoluta, A Falecida, Garota de Ipanema, Imagens do Inconsciente, sobre a vida da médica comunista Nise da Silveira, Bahia de Todos os Sambas, em parceria com Paulo Cesar Saraceni, e os clássicos São Bernardo e Eles Não Usam Black Tie, entre outros. Seus filmes receberam vários prêmios nacionais e internacionais. Logo quando começaram as greves do ABC, imediatamente Hirszman veio a São Bernardo do Campo filmar e acompanhar de perto o movimento, o que resultou em sua também clássica obra póstuma O ABC da Greve. Leon Hirszman faleceu ainda muito jovem, pouco antes de completar 50 anos, mas sua extensa obra cinematográfica ficará marcada com uma das mais proeminentes do cinema novo.

João Batista de Andrade e o homem que virou suco

O mineiro João Batista de Andrade começou na arte cinematográfica com o Grupo Quatro, da Escola Politécnica, do qual também participava, entre outros Renato Tapajós e Antônio Banetazzo, este último assassinado no DOI-CODOI após regressar de treinamento em Cuba. Seu trabalho no cinema começou como assistente de direção de um filme realizado para o movimento estudantil, dirigido por Tapajós, Universidade em Crise.[57] Ex-dirigente do Comitê Regional do PCB de São Paulo no início dos anos 80, João Batista de Andrade,[58] também trabalhou no telejornalismo da TV Cultura, de onde foi demitido por pressões políticas em 1974, e também na Rede Globo onde fez documentários e também dirigiu a Ancine e foi secretário de Cultura no governo Alckmin.

João Batista de Andrade dirigiu vários documentários, entre os quais Wilsinho Galileia, Pauliceia Fantástica; Rua 6, Sem Número; Vida de Artista, além de Doramundo, a partir do romance de Geraldo Ferraz; o clássico O Homem que Virou Suco, sobre as peripécias dos nordestinos tentando sobreviver em São Paulo, O País dos Tenentes, sobre um general em crise pessoal que rememora sua participação nas revoluções tenentistas e Vlado, 30 anos depois, sobre a trajetória do jornalista Vladimir Herzog, uma homenagem ao amigo assassinado no DOI-CODI. Em uma entrevista a Pedro Galvão, fala sobre sua obra: “Fiz meus filmes em todo tipo de cenário e governo, nunca fui governista, fui militante do PCB, participei de outros movimentos, meus filmes sempre retratavam a ditadura de forma crítica”[59]

Wladimir Carvalho e o olhar sobre Brasília

Descendente de uma família de comunista, o paraibano e comunista Vladimir Carvalho  é considerado um dos mais aclamados documentaristas do País. Membro do CPC baiano, começou em 1962 com o filme Os Romeiros da Guia; em 1964 foi assistente de Eduardo Coutinho no filme Cabra Marcado Para Morrer; em 1967 filmou A Bolandeira e, em 1971, dirigiu o clássico País de São Saruê sobre a seca e a pobreza no Nordeste. Vladimir, no final dos 60 se mudou para Brasília para lecionar no curso de cinema da UNB e por lá filmou Conterrâneos Velhos de Guerra, onde retratou a construção de Brasília pela ótica dos candangos; Barra 68 – Sem Perder a ternura, a respeito da invasão da Universidade de Brasília pela repressão; Rock Brasília, a Era de Ouro, sobre os roqueiros brasilienses; O Itinerário de Niemeyer, entre outros;  e mais recentemente Giocondo, o Ilustre Clandestino, sobre a vida e o esquema para retirar clandestinamente o ex-secretário-geral do PCB do País. Foi o mestre de gerações de diretores na capital federal.

Guido Araújo e as jornadas do cinema em Salvador

O baiano Guido Araújo, um velho comunista com ligações internacionais, estudou e viveu na Tchecoslováquia por quase oito anos. Na década de 60 participou do Coletivo Moacyr Fenelon, trabalhou com Nelson Pereira dos Santos em Rio 40º. Graus e Rio Zona Norte. De volta à Bahia, em 1971 ingressou como professor na Faculdade de Comunicações UFBA, onde permaneceu até 1999, onde criou o Grupo Experimental do Cinema. Entre 1972 e 2008 Guido Araújo dirigiu por mais de três décadas a Jornada Internacional do Cinema da Bahia, um dos mais importantes encontros do cinema brasileiro. Responsável pela formação de várias gerações de cineastas baianos, Guido é considerados um dos maiores idealizadores do cinema documental etnográfico. Dirigiu, entre outros os filmes Feira da Banana, Moragopinho, A Morte das Velas do Recôncavo, Lambada em Porto Seguro, Raso da Catarina e Festa de São João no Interior da Bahia. Em sua homenagem foi realizado o documentário sobre sua trajetória, O Senhor das Jornadas, de Jorge Alfredo Guimarães.

Eduardo Coutinho e o Cabra marcado para morrer

O paulistano Eduardo Coutinho, que militou no PCB de 1963 a 1967,[60] é considerado um dos maiores documentaristas brasileiros de todos os tempos. Estudou cinema na França na década de 50 e na década de 60 ingressou no Centro Popular de Cultura (CPC) e foi gerente de produção do filme produzido pelo CP Cinco Vezes Favela. Ainda na década de 60 montou, junto com Marcos Faria e Leon Hirszman a produtora Saga Filmes e roteirizou A Falecida e Garota de Ipanema, ambos de Hirszman. Coutinho também trabalhou vários anos no Globo Repórter da TV Globo. Sua obra prima é Cabra Marcado Para Morrer, que começou a filmar antes do golpe, mas que interrompeu e só em 1984 conseguiu lançar esse documentário icônico, premiado nacional e internacionalmente. Entre suas principais obras estão O Homem que Comprou o Mundo; Edifício Master, que ganhou o Kikito de Cristal; Santo Forte; Babilônia 2000; Jogo de Cena; Santa Marta, Duas Semanas no Morro; Volta Redonda, Memorial da Greve; Romeiro de Padre Cícero; Boca do Lixo, entre outros[61].  É um dos cineastas mais premiados do País. Morreu aos 80 anos, assassinado pelo próprio filho.

Miguel Borges, cinema de autor dentro do esquema comercial

O piauiense Miguel Borges, que militante do PCB por vários anos, começou a sua carreira ainda bem jovem, sendo um dos pioneiros do cinema novo quando dirigiu o curta Zé da Cachorra, do histórico filme Cinco Vezes Favela do CPC da UNE. Borges exerceu também o jornalismo, a crítica de arte e foi presidente do Conselho Nacional do Cinema – Concine, além de presidente do Sindicato dos Produtores Cinematográficos do Rio de Janeiro. Entre suas obras, além do documentário do CPC, destacam-se O Caso Cláudia, Pecado na Sacristia, Perpétua Contra o Esquadrão da Morte, O Último MalandroBarão Otelo no Barato dos Bilhões, As Escandalosas, Maria Bonita, Rainha do Cangaço, As Escandalosas, Canalhas em Crise, além dos curtas O Jovem e o Mar, A Festa da Maldição e, para a Rede Globo, A Lavagem de Cristo e o Balé do Beija Flor, entre outros. “A partir de Cinco Vezes Favela me apaixonei pelo ato de filmar, meu negócio no cinema é filmar”, diz em sua biografia.”[62] Para Antônio Leão da Silva Neto, biógrafo do cineasta, “conhecer a história de Miguel é conhecer uma parte importante da história do nosso cinema, a partir do Cinema Novo, movimento que ele ajudou a fundar”.[63]

Denoy de Oliveira, artista premiado

Militante do PCB na década de 60, o paraense Denoy de Oliveira foi membro do CPC e também ator premiado (A Hora da Estrela, Doramundo, O Homem que Virou Suco, entre outros) compositor, produtor, roteirista e diretor de cinema. Integrou o grupo de teatro Opinião, sendo um de seus fundadores e atuou nos célebres espetáculos Liberdade, Liberdade, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come. Denoy estreou como diretor em 1973, com o filme Amante Muito Louca, que ganhou o troféu Kikito de Ouro no Festival de Cinema de Gramado como melhor diretor. Seu outro filme, A Grande Noitada foi também premiado no Festival de Cinema de Brasília. Dirigiu ainda outras obras cinematográficas como O Baiano Fantasma, O Amigo do Super Homem, Sete Dias de Agonia. Em sua homenagem, a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo deu o nome de seu teatro (Teatro Denoy de Oliveira) a este premiado ator e diretor de cinema. Ex-presidente da Associação Paulista de Cineastas, Denoy de Oliveira morreu de parada cardíaca aos 65 anos.

Geraldo Sarno, pioneiro do cinema novo

O baiano Geraldo Sarno, “cineasta comunista, originário do CPC baiano”,[64] foi um dos pioneiros do cinema novo, autor do célebre documentário Viramundo, com música de Caetano Veloso e letra de Capinan, sobre a migração nordestina para São Paulo. Realizou também filmes sobre a reforma agrária, como Mutirão em Novo Sol, perdido após o golpe militar. Dirigiu ainda vários filmes e documentários, entre os quais Coronel Delmiro Gouveia, Viva Cariri, A Terra Queima, Eu carrego o Serão Dentro de Mim, Padre Cicero, e os premiadíssimos Tudo Isso Parece Um Sonho (Prêmio de melhor direção do Festival de Cinema de Brasília e O Último Romance de Balzac, prêmio especial do júri do Festival de Cinema de Gramado. Seu último trabalho foi A Linguagem do Cinema, documentário com entrevista com vários diretores brasileiros de cinema.

Simpatizantes e área de influência do PCB no cinema

Joaquim Pedro, sarcástico, genial e perfeccionista

Descendente de família aristocrática, Joaquim Pedro de Andrade (“comuna também, mas mantém a classe”)[65] é também um dos pioneiros do cinema novo, com seu documentário Couro de Gato para o filme Cinco Vezes Favela. Em 1958 foi assistente de direção do comunista Geraldo Santos Pereira no filme Rebelião em Vila Rica e no curta Caminhos de Paulo Cesar Saraceni. Depois de ter filmado no Brasil  O Poeta do Castelo sobre a vida de Manoel Bandeira e o Mestre de Apipucos, sobre Gilberto Freyre, foi estudar cinema em Paris. De volta ao Brasil dirigiu, em 1963, Garrincha, Alegria do Povo e depois O Padre e a Moça, O Homem do Paul Brasil, Brasília, Contradições de Uma Cidade, Os Inconfidentes, Guerra Conjugal, entre outros. Preso por protestar contra a ditadura, junto com outros intelectuais, é autor do icônico e premiadíssimo Macunaíma, um dos maiores sucessos de público do cinema novo brasileiro. Joaquim Pedro é considerado um dos mais geniais diretores cinematográficos brasileiros. Morreu aos 56, vítima de câncer.

Thomaz Farkas, empresário, produtor e cineasta vermelho

Thomaz Farkas, “fotógrafo e empresário comunista nascido na Hungria”,[66] se dividia entre a fotografia (era proprietário da Fotótica, que herdou do pai) e o cinema. Após o golpe militar, Farkas reuniu, com recursos próprios, um grupo de cineastas para filmar a cultura popular no Brasil e buscar registrar as origens da cultura brasileira.[67] O conjunto desses documentários que produziu resultaram da famosa Caravana Farkas, reunidos no longa metragem Brasil Verdade.  Esses são os seguintes filmes da primeira série: Memórias do Cangaço, dirigido por Paulo Gil Soares; Subterrâneos do Futebol, por Mauricio Capovilla; Nossa Escola de Samba, por Manoel Gimenez; e Viramundo, por Geraldo Sarno. Após sua prisão pelo DOI-CODI, em 1969, retoma a produção de documentários, entre os quais Vaquejada, Vitalino Lampião, Frei Damião Trombeta dos Aflitos, Martelo dos Hereges, Casa de Farinha, entre outros, incluídos na segunda série série A Condição Brasileira. Farkas também foi professor do Departamento de Cinema da ECA-USP, e produziu 38 documentários, dos quais dirigiu três deles. Farkas morreu aos 86 anos.

Marcos Farias e o Fogo Morto

O catarinense Marcos Farias, “comuna fundamentalista”[68] foi também um dos pioneiros do cinema novo e participou com o documentário Um Favelado, do histórico filme do CPC Cinco Vezes Favela. Esteve ligado ao cinema desde os tempos de estudantes quando fundou, com Miguel Borges, o cineclube na Faculdade de Administração do Rio de Janeiro. Ativo membro do cinema novo, Marcos Faria, além do filme que fez para o CPC dirigiu Sexto Páreo, A Vingança dos Doze, A Cartomante, Tem Bububu no Bobobó, e o clássico Fogo Morto, que retrata o declínio dos engenhos de açúcar do Nordeste, baseado em obra de José Lins do Rego. Marcos Farias foi um ativo batalhador na Cooperativa Brasileira dos Cineastas. Também é considerado um histórico do cinema novo e um batalhador em defesa do cinema brasileiro. Morreu aos 50 anos, em 1985. Em sua homenagem foi realizada o longa metragem Olhar de um Cineasta, com depoimentos de Nelson pereira dos Santos, Carlos, Diegues, Eduardo Coutinho e Paulo Cezar Saraceni.

Paulo Cezar Saraceni, um marco no cinema novo

Paulo Cezar Saraceni foi um dos nomes mais importantes do cinema novo, também da turma do CPC. Estudou no Centro Experimental de Cinema em Roma, onde realizou filmes para a TV Italiana. Saraceni foi atleta e chegou a jogar no time juvenil do Fluminense. Antes de viajar para a Itália, já era considerado um histórico do cinema por seu documentário Arraial do Cabo, de 1959, que inspirou uma estética para o cinema novo. Ao voltar ao Brasil, Saraceni dirigiu o elogiadíssimo Porto das Caixas (1962) e, posteriormente, em 1965, também dirigiu o icônico O Desafio, uma reflexão sobre o Brasil pós-ditadura. “Na época, o filme foi celebrado por alguns cineastas do Cinema Novo como o segundo marco do movimento depois de Deus e o Diabo na Terra do Sol.”[69]  Saraceni dirigiu, entre outros, vários filmes como A Casa Assassinada, adaptação do romance de Lúcio Cardoso, Ao Sul do Meu Corpo, Bahia de Todos os Sambas e O Gerente,  este baseado em um conto de Carlos Drumond de Andrade, seu último filme. Em 1993 lançou o livro Por Dentro do Cinema Novo: Minha Viagem, onde narra sua trajetória cinematográfica e vida pessoal. Saraceni morreu em 2012, aos 78 anos.

Maurice Capovilla, cineasta versátil

O paulista Maurice Capovilla militou por pouco tempo no tempo PCB no inicio da década de 60. “Entrei para o partido em 1961, por causa da minha atuação na USP e junto ao Arena. Participei da criação do núcleo paulista do Centro Popular de Cultura, o CPC, ligado à União Estadual dos Estudantes” conta em sua biografia[70]. Começou como jornalista e trabalhou também na TV como documentarista. Entre os seus principais filmes destaca-se União, sobre os operários da construção civil; Meninos do Tietê, Subterrâneos do Futebol e os longas Bebel, Garota Propaganda, adaptação de obra de Ignacio de Loyola Brandão; O Profeta da Fome; Harmada, O Boi Misterioso e o Vaqueiro Menino; O Jogo da Vida; além de telenovelas para a TV. Como diz seu biógrafo, Carlos Alberto Mattos: “Num trajeto de mais de 40 anos, realizou documentários, filmes de ficção, programas musicais, telenovelas, telefilmes (área em que foi pioneiro no Brasil), minisséries, institucionais, etc. Colaborou em filmes de amigos, ajudou a criar TVs comunitárias e orientou uma infinidade de jovens nos místeres de uma arte sempre crítica, reflexiva, e focada no povo brasileiro”.[71]

Como se pode observar, o Partido Comunista Brasileiro teve um papel determinante na construção da cinematografia brasileira e foi fundamental na construção do alicerce que fundamentou um cinema moderno e avançado com características brasileiras. Todos os cineastas elencados nesse ensaio estiveram de alguma forma ligados ao PCB: alguns militaram a vida inteira, outros apenas alguns anos e outros trabalharam a partir da política e das formulações do Partido. Parodiando o poeta podemos dizer tranquilamente: quem escrever a história do cinema brasileiro e não ressaltar o papel fundamental do PCB nesse processo ou não entende da arte – ou estará mentindo.

 

Edmilson Costa é poeta, doutor em economia pela Unicamp e secretário-geral do PCB.

 

 

 

 

 

 


[1] Bilharino, G; Cem anos de cinema brasileiro; Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura, 1997; Viany, A. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2009.

[2] Vieira, J. L. Industrialização e cinema no Brasil: a “fábrica” Atlântida. Disponível em: www.cbpc.org.br/artigos. Acesso em 12/09/2024.

[3] Vieira, J. L.  Op. cit. Acessado em 12 de setembro de 2024.

[4] Desbois, L. A odisseia do cinema brasileiro – da Atlântida à cidade de Deus. São Paulo, Companhia das Letras, s/d.

[5] Desbois, op. cit.

[6] Viany, A. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro, 8ª. impressão, 2009.

[7] Viany, op. cit.

[8] Viany, op. cit.

[9] Rubim, A. A. C. O Partido Comunista e os intelectuais. Disponível em https://bibliotecadigital.tse.jus.br. Acesso em 20 de agosto de 2024.

 

[10] No período da chamada abertura, a ditadura matou um terço do Comitê Central do Partido, prendeu milhares de seus militantes e muitos foram obrigados a ir ao exílio, o que impactou profundamente na organização do PCB.

 

[11] Faria, Otávio de. Contra o filme falado, in revista O Fã, outubro de 1928. Apud Alex Viany in Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro, 1993.

[12] Simis, A. Cinema e Cineastas em tempo de Getúlio Vargas. Revista de Sociologia e Política, No. 9, Universidade Federal do Paraná, 1997.

[13] Simis, op. cit.

[14] Pereira, G. S. Plano geral do cinema brasileiro – história, cultura, economia e legislação. Editor Barsoi. Estado da Guanabara, 1973.

[15] Desbois, op. cit.

[16] Costa, J. F. Oduvaldo Vianna: um inovador no teatro, no rádio, e no cinema brasileiros. Disponível em: https://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/familia-vianna/oduvaldo-vianna-um-inovador-no-teatro-no-radio-e-no-cinema-brasileiros. Acesso em 25 de outubro de 2024.

[17] Fortes, A; e Veras, F. B. No rastro de Jararaca: produção cultural e engajamento político na trajetória de um artista popular pioneiro. Revista Mundos do Trabalho, Vol. 8, No. 15, Jan/Jun 2016.

[18] Bastos, M. T. F. Resumo expandido. Rui Santos. s/d.

[19] Rubim, A. A. C. O Partido Comunista e o cinema no Brasil. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. 12. No. 60, 1989; e Bastos e Ramos, op. cit.

[20] Apud Revista Fundamentos, número 18, maio de 1951. A revista Fundamentos era dirigida por militantes do PCB. A citação consta de artigo de Rodolfo Nanni: Cinema, o Instituto Nacional Cinematográfico do Estado.

[21] Rubim, A. A. C. O Partido Comunista e os Intelectuais. Política e Debate, setembro, de 1999.

[22] Bastos, M. T; e Ramos, M. G. Entre fotografia e cinema: Rui Santos e o Documentário militante no Brasil dos anos 40. Revista Brasileira de Estudos do Cinema Audiovisual. Jan/jun, 2013.

[23] Bastos e Ramos, op. cit.

[24] Rubim, op. cit.

[25] Rubim, op. cit.

[26] Rubim, A. A. C. O Partido Comunista e o Cinema no Brasil. Disponível em: https://revistas.intercom.org.br/index.php/revistaintercom/article/view/1372 . Acesso em 10 de agosto de 2024.

[27] Viany, A. Introdução ao cinema brasileiro. Revan: Rio de Janeiro, 2099.

[28] As informações sobre Alinor Azevedo foram colhidas basicamente do texto do escritor José Inacio de Melo Souza sobre Alinor Azevedo. Disponível em: http://joseinaciomelosouza.com.br. Acesso em 10 de janeiro de 2025.

[29] Ortiz, C. Balanço histórico-crítico do cinema nacional. Revista Fundamentos, No. 31, 1953.

[30] Ortiz, op. cit.

[31] Viany, op. cit e Rubim, op. cit.

[32] Ortiz, op. cit.

[33] Pereira, op. cit.

[34] Pereira, op. cit.

[35] Rubim, op. cit

[36] Rocha Melo, L. A. Cinema independente no Brasil: anos 1940-50. Disponível em: https://www.asaeca.org/aactas/rocha_melo.pdf . Acesso em 20 de out, 2024.

[37] Biofilmografia de Alex Viany. Disponivel em https://www.alexviany.com.br/busca/combinada.html. Acesso em setembro de 2024.

[38] Biofilmografia, op. cit.

[39] Ferreira, J. Nelson Pereira dos Santos. Disponível em pcb.org.br. Abril, 2018.

[40] Monteiro, J. C. Nelson Pereira dos Santos: realismo sem fronteiras. Revista Filme e Cultura, INC/MEC, No. 16, 1970.

[41] Gazzaneo, L. Rio 40º. Graus e a defesa do cinema nacional. Fundamentos, 1955.

[42] Berriel. C. E. O. Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década de 50. Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, 1981.

[43] Dupont, J. F. Salomão Scliar e a música de candomblé em Terra em Transe. Disponível em https://www.ufrgs.br/radio/scliar-candomble-e-glauber. Acesso em 20 de outubro, 2024.

[44] Portal do cinema gaúcho. Salomão Scliar. Disponível em

 

[45] Barbosa, N. Rodolfo Nanni, um realizador persistente. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.

[46] Couto, J. G. Roberto Santos ganha biografia e evento. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/6/23/ilustrada/36.html. Acesso em 21 de outubro, 2024.

[47] Para uma maior compreensão sobre as reformas de base e as lutas do período, consultar Costa, E. A política salarial no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1997.

[48] Rocha, G. Uma estética da fome. Revista Civilização Brasileira, No. 3

[49] Santos, N. P. Entrevista a Alex Viany. In Viany, A. O processo do cinema novo. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1999.

[50] Citado em Ridenti, M.: Em busca do povo brasileiro. Artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

[51] Parte dessa cronologia está em: Bilharinho, G. Cem anos de cinema no Brasil. Uberlândia: Instituto Triangulino de Cultura, 1997; e Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro. São Paulo, Unesp, 2014; e Figueirôa, A. A luta por uma estética nacional.

[52] Sganzerla, R. Suplemento Literário do Estado de São Paulo, 21 de maio de 1966. Citado em Bilharino, G. in Cem Anos de Cinema.

[53] Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro, op. cit.

[54] Relatório do CPC da UNE. Disponível em: https//www.fe.ufg.br. Reproduzido do livro de Jalusa Barcelos. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. 

[55] Ridenti, op. cit.

[56] Salem, H. Leon Hisrzman, o navegador das estrelas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

[57] Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro, op. cit.

[58] João Batista de Andrade foi meu professor de Jornalismo Cinematográfico, no início dos anos 70, na Universidade Federal do Maranhão, quanto esta instituição fez convênio com a ECA para que professores de São Paulo fossem dar aulas no Maranhão. 

[59] Disponível em: https://www.uai.com .br. Acesso em 30 de outubro de 2024.

[60] Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro, op.cit.

 

[61] A maioria das informações sobre os filmes de Coutinho foram retiradas de Wikipedia e do portal https://adorocinema.com

[62] Neto, A. L. S. Miguel Borges, um lobisomem sai da sombra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.

[63] Neto, op. cit.

[64] Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro, op. cit.

[65] Opinião de Paulo Cesar Saraceni a Ivana Bentes, citada no livro Joaquim Pedro de Andrade: A revolução intimista. Rio de Janreiro: Relume Dumará, 1996.

[66] Ridenti, M. Em busca do povo brasileiro. Op. cit.

[67] Ridenti, op. pit.

[68] Neto, A. L. S. Um lobisomem sai da sombra, op. cit.

[69] Miguez, F. O Desafio. Paulo Cezar Saraceni. Iniciação Científica: Preenchendo os vazios históricos: um estudo da filmografia recente sobre o regime militar. Disponível em: https://historiaeaudiovisual.weebly.com. Acesso em 8 de novembro de 2024.

[70] Mattos, C. A. Capovilla, a imagem crítica. São Paulo: Imprensa Oficialo, 2006

[71] Mattos, op. cit.

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